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ARENA DO CIRCO CHÁVEZ
Editorial em O Estado de São Paulo
Mesmo que não se confirme a participação do ditador cubano Fidel Castro na reunião de cúpula dos governos do Mercosul, hoje e amanhã na cidade argentina de Córdoba, o mero fato de ter sido aventada seriamente essa possibilidade é um sintoma inequívoco da contaminação do bloco econômico regional pelo que há de mais desalentador no cenário latino-americano atual - o enlace do populismo exumado na Venezuela do coronel Hugo Chávez com o comunismo mumificado que oprime a ilha caribenha. O pretexto para a eventual aparição de Fidel é a assinatura de um acordo de preferências tarifárias entre o Mercosul e Cuba, para incrementar o comércio entre as partes. Na realidade, porém, o que se pretende é degradar o encontro dos chefes de Estado dos países membros em um parque de diversões antiamericanas.
Se o quase octogenário comandante cubano afinal não aparecer, o circo ideológico em preparo será conduzido pelo histriônico dirigente do mais novo afiliado à organização, a Venezuela, tendo como coadjuvantes o cocaleiro arrasa-quarteirão Evo Morales, da Bolívia promovida a "associada" do grupo, e o mercurial anfitrião Néstor Kirchner. A idéia é reprisar, com mais estardalhaço ainda, o espetáculo da Cúpula dos Povos de novembro passado na também argentina Mar del Plata, quando Chávez investiu a golpes de borduna contra o projeto da Alca e saiu consagrado pela massa que se embebeu de sua retórica rombuda no ginásio da cidade. Desta vez, é certo que o mesmo triunfo o espera no evento paralelo à cúpula, programado para o estádio ou a universidade local pelos "movimentos sociais" que o produzem com o entusiástico respaldo da embaixada venezuelana em Buenos Aires.
Setores argentinos manifestam seu desgosto com o que entendem ser a "esquerdização" do Mercosul. O desgosto evidentemente se justifica, mas o que o motiva é algo pior: a completa perda de seriedade - e de importância política - de um organismo supranacional já dilacerado pelos conflitos entre os parceiros. Os mais recentes opõem a Argentina ao Uruguai, em razão das controvertidas papeleras uruguaias, e o Paraguai à Argentina, devido às queixas de Assunção por não conseguir que o vizinho perdoe parte da sua dívida contraída na construção da Hidrelétrica de Yaciretá, na fronteira fluvial entre os dois países.
A transformação do Mercosul em arena do circo antiamericano do coronel venezuelano é uma afronta aos inumeráveis empresários da região que em matéria de preparo, empenho e sincronia com o mundo nada ficam a dever aos seus semelhantes do Ocidente próspero. Ou aos chineses, os astros em ascensão de uma economia que cresceu no primeiro trimestre 11% a mais que no mesmo período de 2005. O infortúnio do empresariado latino-americano é não ter nos respectivos governos, com poucas exceções, interlocutores sérios, concentrados no que de fato interessa às economias nacionais. Um estudo publicado na revista Finance and Development, do FMI, citado ontem pelo colunista Cristiano Romero, do jornal Valor, mostra que a recente história econômica regional é a da sucessão de oportunidades perdidas, ante as oportunidades aproveitadas sem cessar pelas nações da Ásia Oriental.
Os indicadores reunidos pelo autor, o economista Anthony Elson, são invariavelmente acachapantes. No imediato pós-guerra, a América Latina só não era mais desenvolvida do que as grandes nações industriais. O PIB per capita médio, no hemisfério, era 2,5 vezes maior do que no Leste Asiático e chegava a 1/4 do PIB por habitante dos Estados Unidos. Agora, nos 5 últimos anos, cresceu ínfimo 1%, sempre na média. Enquanto isso, na Ásia Oriental - que engloba Cingapura, China, Coréia, Filipinas, Indonésia, Malásia, Taiwan e Tailândia - o indicador teve alta de 7%. A proverbial diligência desses povos, a sua crença confucionista no progresso individual explicam muito dessa reviravolta, mas não explicam toda ela. O comportamento econômico propiciado pelos valores culturais asiáticos contou com o incentivo adicional das políticas pro-business dos Estados nacionais e de instituições geridas por elites burocráticas estáveis e voltadas para o objetivo sintetizado pelo chinês Deng Xiaoping no célebre dito "Enriquecer é glorioso".
Na América Latina de Chávez, Kirchner e Morales, glorioso é falar mal do capitalismo.



Editado por Giulio Sanmartini   às   7/20/2006 09:32:00 AM      |