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OS FILHOS DO CRIME
Por Tony Saad é lingüista / professor

"A sociedade prepara o crime; o criminoso apenas o comete."
(Henry Thomas Buckle)

Como já ironizou o escritor Cesar Cardoso, ganhar a vida honestamente é coisa do passado. Quem hoje ainda acredita honestamente, no país dos tupiniquins, que o crime não compensa? Aliás, qual seria mesmo a definição de crime em nossa sociedade? De Brasília aos morros do Rio de Janeiro, da Avenida Paulista à natimorta Transamazônica as noções de crime, criminoso, justiça e honestidade parecem estar mais diluídas do que nunca em factóides políticos, desinformação industrial, estatísticas oficiais, mídia tendenciosa e interesses pessoais.
Há, isto sim, diferentes percepções do crime: um Fernandinho Beira-Mar é alguém a ser guardado a sete chaves, incomunicável, um monstro, ao passo que o pipoqueiro na frente de uma escola que complementa sua renda vendendo uma trouxinha de maconha aqui, outra ali aos pré-adolescentes de classe média é relativamente bem absorvido pela tolerância da sociedade que o criou. Só que num passado não muito remoto, nosso brasileiríssimo Fernandinho, o monstro, já foi muito menos nocivo à sociedade estabelecida do que o simpático pipoqueiro da escola. Virtualmente ninguém se inicia no crime através de um golpe milionário; o crime, como todo ser humano, nasce pequeno, vulnerável, e precisa de tempo para se fortalecer e se tornar poderoso. Em sua trajetória desde um pipoqueiro até chegar a um Fernandinho, o crime precisa de seu alimento mais nutritivo, sua vitamina mais indispensável: a impunidade. E este alimento nós temos de sobra, pois por aqui tudo que se planta, dá.
O pensador Jean Baptiste Racine escreveu um dia com muita propriedade que "os crimes pequenos sempre precedem os grandes". No dia-a-dia de nossa política, quase ninguém é culpado, e quando é, não é condenado, e mesmo quando o é, não é punido. É, na prática, a descriminalização do crime!
Nem todo crime, notemos bem, visa a lucro pecuniário. Uma propina aqui em troca de uma vista grossa de algum fiscal, uma garrafa de bom scotch ali para se obter um documento mais rápido, uma tese de mestrado parcialmente compilada de autores vários sem que se dêem os devidos créditos para se garantir uma aprovação, um telefonema ao deputado de plantão para se conseguir uma vaga para um filho em uma escola de renome, e por aí vai. Isto é crime? É, sim, se considerarmos que crime é, em se falando de conduta ética e integridade moral, tudo aquilo que lesa os direitos do próximo e conflita com o bem estar da sociedade.
Hoje, nossos filhos tiram proveito da Internet e se apropriam de um trabalho escolar para assim receber uma nota melhor sem realmente merecê-la; amanhã, se apropriam de um cargo de confiança sem realmente ter competência; depois de amnhã, se apropriam de uma alta função no governo sem realmente se mostrar a seus eleitores. Mentem e prosperam. A mentira é um tipo de roubo, que sonega verdadeira informação e tira proveito do próximo e mata as chances deste próximo exercer seu julgamento com lisura.
Hoje se faz da mentira profissão. E nós sabemos bem que a mais antiga das profissões não é, como diz o adágio, a prostituição; são o furto e o assassinato. Afinal, Adão e Eva roubaram a maçã e Caim matou seu irmão Abel. E fizeram isto, não movidos por um impulso altruísta, ou mesmo forçados por uma força maior, mas com o objetivo de tirar vantagem de suas transgressões. É o velho ser humano agindo de acordo com sua natureza. Mesmo nas primeiras passagens simbólicas do Velho Testamento, lá está o crime, pois lá está o homem. Chegamos a um ponto em que o homem sente menos vergonha de seus crimes que de suas fraquezas e vaidades.
Lênin escreveu que "o crime é um produto dos excessos sociais", e assim parece estar sendo com nossos governos e governantes. O crime é contagioso; se um governo se torne um transgressor, gera descaso pela lei.
Façamos uma pesquisa: quantos solenes senadores da república e empertigados congressistas freqüentaram nossas cadeias nos últimos cem anos? Dos bilhões subtraídos ao tesouro nacional por políticos e empresários comprovadamente ladrões, quanto foi devolvido aos cofres do país?
Crime é mesmo uma questão de percepção. Criminoso, mesmo, no país de Macunaíma, é o ladrão de galinhas.


Editado por Adriana   às   8/10/2006 11:37:00 PM      |