Editorial em O Estado de São Paulo O Brasil está livre, por enquanto, de um embargo europeu às suas exportações de carnes e de outros alimentos. A União Européia aceitou o plano de controle sanitário proposto em julho pelo governo brasileiro. A decisão foi comunicada oficialmente na semana passada. Os europeus haviam apontado resíduos tóxicos em vários produtos brasileiros. A denúncia deu novo argumento não só aos movimentos de proteção ao consumidor, mas também aos grupos protecionistas. Várias organizações defenderam a proposta de embargo. Com a moratória anunciada na última semana, será possível evitar grandes prejuízos comerciais, se as correções forem adotadas com a seriedade necessária. Já não se pode contemporizar: as falhas do controle sanitário já não são apontadas somente por especialistas do agronegócio e da saúde pública, mas também pelos técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), que demonstraram mais uma vez, agora com base em dados financeiros, o descaso do Ministério do Planejamento em relação aos programas de vigilância sanitária do Ministério da Agricultura. Esse descaso já havia sido evidenciado com o surto de aftosa em Mato Grosso do Sul, no ano passado. Falharam o governo estadual e o federal. Só por muita sorte a doença não teria aparecido. Não havia controle suficiente da vacinação, nem vigilância sobre a movimentação de gado, inteiramente livre, na fronteira com o Paraguai.
Pelos dados do TCU, estavam previstos, no ano passado, R$ 5,1 milhões para o programa Vigiagro. Foram empenhados R$ 3,3 milhões, mas os gastos efetivos não passaram de R$ 1,2 milhão. São números absolutamente ridículos. O problema financeiro começa na elaboração do Orçamento-Geral da União, continua na lenta liberação de recursos e completa-se na aplicação insuficiente. O relatório descreve as péssimas condições do serviço, com insuficiência de pessoal e de condições técnicas, mas com excesso de burocracia. O controle é falho nos portos e aeroportos. É deficiente nas áreas produtoras e na cadeia do agronegócio. Os auditores do TCU enriqueceram as críticas com exemplos de problemas sanitários observados, nos últimos anos, tanto nas lavouras quanto na produção animal. Lembraram o risco crescente representado pelo comércio global: hoje é muito mais fácil do que em qualquer outra época importar pragas e doenças de países distantes. Há apenas 24 agrônomos no Porto de Santos, embora sejam necessários 42. O País tem 167 agrônomos e 108 veterinários na vigilância da entrada e saída de produtos, mas deveria ter 248 e 166, respectivamente. E muitos mais são necessários para atuar em todo o território. O agronegócio gera a maior parte do superávit comercial brasileiro, além de funcionar, internamente, como âncora dos preços. Modernizou-se, nos últimos 30 anos, mas de forma desigual. A fiscalização é necessária tanto para igualar os padrões de comportamento dos produtores, difundindo as boas práticas, quanto para proteger o sistema produtivo da importação de pragas e doenças. O orçamento destinou ao Vigiagro, para este ano, R$ 8 milhões, mas o gasto efetivo deverá ficar em R$ 3,2 milhões, segundo estimativa do coordenador-geral, Oscar de Aguiar Rosa Filho, divulgada pelo jornal Valor. O dinheiro é liberado muito devagar pelas autoridades financeiras e, além disso, faltam meios para a execução das tarefas necessárias. Economizam-se uns poucos milhões, enquanto o País se arrisca a perder bilhões, observa o funcionário. Os prejuízos, no caso de um problema grave, resultarão não só da perda de negócios, mas também do comprometimento de atividades importantes, como a produção de frangos e suínos e a criação de gado em grandes áreas. Não adianta muito a diplomacia comercial brigar contra o protecionismo de outros países, quando o agronegócio está em risco permanente de graves problemas sanitários por deficiência de controle. Nem mesmo os poucos funcionários federais encarregados de fiscalizar o comércio conseguem trabalhar com um mínimo de articulação. Não há cooperação, advertem os auditores do TCU, entre fiscais da Receita e do Vigiagro. Diante das falhas internas, os protecionistas de fora deveriam ser gratos ao governo brasileiro.
Editado por Giulio Sanmartini às 8/10/2006 01:28:00 AM |
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