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MALANDRO DEMAIS SE ATRAPALHA
Por José Inácio Werneck em Direto da Redação
Hillary Clinton, que tem a pretensão de ser a primeira mulher eleita para a presidência dos Estados Unidos, levou um contra-vapor com a vitória do desconhecido Ned Lamont nas primárias do Partido Democrata em Connecticut para a eleição do próximo mês de novembro ao Senado.
Esta é uma história que se inicia nas primárias democratas para a última eleição presidencial, quando a base do partido tinha em Howard Dean um forte candidato que encarnava o reverso exato de George W. Bush, a começar por sua oposição à guerra do Iraque. Mas Howard Dean implodiu logo na etapa inicial, o caucus de Iowa, em grande parte devido a um problema meramente técnico. O som falhou quando ele se dirigia aos eleitores, após ser derrotado naquela fase, obrigando-o a gritar a plenos pulmões para ser ouvido pelo auditório. Infelizmente para Dean, os microfones das emissoras de rádio e televisão captaram os seus berros, sem que o público soubesse exatamente o que se passava, e a impressão geral, que acabou destruindo sua candidatura, foi a de que Howard Dean era mentalmente instável. Como naquele velho comercial, a primeira impressão é a que perdura.
Podemos até voltar um pouco atrás no tempo para entender o que aconteceu agora. No ano 2000, querendo mostrar-se um centrista e distanciar-se um pouco de Bill Clinton, Al Gore escolheu Joe Lieberman, um judeu ortodoxo e politico democrata de Connecticut, como seu candidato vice-presidencial. Afinal, Lieberman era considerado um moderado e falava sempre em “valores morais”, como no discurso em que condenara Clinton por ocasião do affair Monica Lewinsky.
Mas logo Lieberman decepcionou as bases do partido. Começou por ter um comportamento tímido perante Dick Cheney, no debate entre os candidatos à vice-presidência. Depois da eleição veio a público dizer que não concordava com a possibilidade de anular os votos dos militares na Flórida, depositados fora do prazo legal, antes mesmo que Al Gore pudesse se pronunciar sobre o assunto. E assim que George W. Bush, empossado, entrou a pregar o que considerava importantes mudanças estratégicas para a política americana no Oriente Médio e preparar uma invasão do Iraque, Joe Lieberman ficou sempre ao seu lado. Tão ao seu lado que, em uma famosa fotografia, acabou recebendo na face um beijo presidencial.
O simbolismo do gesto – o beijo da traição, na história bíblica – foi poderoso demais. A política internacional da Casa Branca resultou no desastre que se vê agora e a história certamente registrará que até hoje nenhum presidente americano fez tanto para tornar os Estados Unidos impopulares no mundo quanto George W. Bush. Sua administração é um imenso desastre e, para piorar as coisas, há agora sinais de que uma recessão econômica se aproxima.
Mas apenas nas últimas semanas Joe Lieberman procurou desesperadamente mudar seu discurso, dizendo que apoiara a invasão do Iraque mas agora estudava alternativas para uma saída. A derrota de um senador no exercício de um mandato (no seu caso, o terceiro), em uma simples primária de seu partido, é quase inaudita nos Estados Unidos. Ainda mais em se tratando de um homem que fora primeiro escolhido candidato à vice-presidência e, depois, concorrera às primárias para a eleição presidencial.
O que a derrota de Lieberman tem de ameaçador para Hillary Clinton é que ela também apoiou a invasão do Iraque e, agora, fica em cima do muro, tentando justificar seu voto mas ao mesmo tempo criticar George Bush. Como na velha expressão inglesa, Hillary Clinton está se mostrando “too clever by half”.
O que poderíamos traduzir como malandro demais se atrapalha.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/10/2006 01:31:00 AM      |