Do enviado especial do GLOBO a Cuba* HAVANA - O estado de saúde e o paradeiro de Fidel Castro são mistérios para os cubanos. Ontem completou-se o sétimo dia sem informações consistentes sobre o presidente cubano, que teria sofrido uma cirurgia no intestino, além de informes pouco objetivos de órgãos oficiais e de membros do governo. Também não houve qualquer aparição pública de Raúl Castro, irmão de de Fidel apontado seu substituto. Mas, com o ditador recuperando-se ou não, uma coisa é senso comum na ilha: a palavra transição chegou para ficar. E o medo maior não é de uma invasão externa mas da disputa de poder dentro do governo. — Não importa se ele volta ou não. O que importa é que, mesmo voltando, não ficará muito tempo. Tínhamos essa idéia já há algum tempo mas sua doença trouxe, de forma irreversível, a disputa interna pelo poder — disse um professor de ciências políticas pedindo para não ser identificado. Segundo ele, no primeiro escalão o temor com a interferência externa é muito menor do que se imagina: — Eles sabem que uma intervenção externa não deve acontecer. Os EUA estão atolados de problemas e a oposição fora da ilha não tem condições de enfrentar o Exército. Uma tentativa de invasão externa só serviria para unir o país e poderia até favorecer Raúl Castro. Todos sabem disso, inclusive os americanos. Mas, mesmo sem ameaça externa, Raúl não deverá ter força política para manter o governo ao estilo do irmão.
— Existem figuras muito fortes que lutarão pelo poder, entre elas o vice-presidente (Carlos Lage) e o chanceler (Felipe Pérez Roque), este o mais forte, por ser jovem e popular, além de ter a simpatia dos militares. Diante disso, vejo como cenários possíveis a diminuição dos poderes de Raúl ou sua saída do cargo, assumindo funções secundárias — disse um professor de história, que pediu anonimato. Para ele, a oposição interna, a favor de uma maior abertura, não tem força para entrar nessa disputa: — Eles estão desmobilizados e são muito policiados. Isso não quer dizer que não haverá mudança. Certamente haverá mais abertura econômica e, em médio prazo, talvez política. Mas só com o tempo a oposição deverá ter alguma voz sem ser perseguida. Manifestações só diante de repórteres Em Havana o clima é de calma, apesar das expectativas. As manifestações só são feitas na presença de repórteres estrangeiros. Nas ruas a população encara a ilha sem Fidel como uma realidade que, cedo ou tarde, mudará o país. — Claro que a mudança de um líder faz o país mudar. Mas seja qual for a mudança não podemos é sofrer invasão ou interferência dos EUA — disse a motorista Dalia Diaz. Para o médico Felipe Alvarez, o principal medo é que o país se torne caótico com a mudança. — Se for para nos tornarmos mais um país pobre do Caribe, prefiro que Raúl Castro mantenha o estilo Fidel. Já para um gerente de um restaurante de Vedado, mais importante que a mudança econômica seria uma mudança política: — Não temos liberdade de expressão. Como podemos ter uma boa educação sem liberdade? Vivemos numa ilusão que precisa acabar. Ilusão que tenta ser passada aos turistas. Quem visitou o país há cinco anos constata que a quantidade de carros novos aumentou bastante, apesar de ainda haver muitos dos veículos antigos que até então dominavam as ruas. O comércio com os turistas é feito com base no chamado “euro convertido”. Apesar de um euro equivaler a 34 pesos cubanos, para o turista a relação é de um para um, o que faz com que compras e pagamentos de serviços sejam 34 vezes mais caros do que para os cubanos. Estes, por sua vez, não têm acesso a locais freqüentados por visitantes. Uma corrida de táxi numa distância equivalente a do Leblon a Botafogo custa 15 (R$ 42). Um dos pratos típicos locais, o moros y cristianos (arroz, feijão, frango e batatas fritas), sai por 20 euros (R$ 56). Ainda assim, há hordas de turistas, principalmente europeus, chineses e mexicanos, além de um bom número de venezuelanos no país a negócios. Todos concordam que visitar Cuba hoje está mais caro do que fazer turismo na Europa. * O repórter não está identificado por razões de segurança
Editado por Giulio Sanmartini às 8/10/2006 12:22:00 PM |
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