Por Onofre Ribeiro O Congresso Nacional viveu ontem um dia de psicanálise. A Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, saiu do campo administrativo e explodiu no colo do mundo político. O relatório parcial da CPI dos Sanguessugas pediu a cassação de 72 envolvidos com o esquema da compra de ambulâncias. Dezoito parlamentares foram inocentados pelo texto do senador Amir Lando (PMDB-RO). O relatório, de 1,6 mil páginas, foi aprovado pela comissão com apenas um voto contrário e uma abstenção. Poucas vezes na história do Congresso brasileiro as expectativas da sociedade foram tão atentas. Mas não foi uma atenção cara a cara. Foi tipo rabo-de-olho. Olhava de lado sem dar na cara que estava olhando. A recente absolvição de deputados mensaleiros marcou profundamente. Restava agora saber se o Congresso teria a coragem de encarar de frente as cicatrizes de sua cara. Dez partidos tiveram parlamentares envolvidos na compra superfaturada de ambulâncias, usando o dinheiro público para fins pessoais. São 18 do PL, 8 do PMDB, 16 do PTB, 13 do PP, 7 do PFL, 4 do PSB, 2 do PT, 2 do PRB, 1 do PSC e 12 do PSDB. São 9 da oposição e 63 da chamada base governista.
A leitura imediata é que o chamado baixo clero domina mesmo o Congresso. Tirando os 8 do PMDB, os 7 do PFL, os 2 do PT e 1 do PSDB, os 18 dos quatro grandes partidos, todo o resto é baixo clero. São aqueles parlamentares-comerciantes que fazem do mandato um mercado de negócios particulares, mascarando-os com a solene fachada do interesse público. O próximo passo depois do fim do relatório da CPI, será horrível. Todos serão julgados pelo Conselho de Ética, um tribunal interno corporativo criado para proteger os pares. Ao tempo da ditadura poderia ser chamado de “entulho autoritário”. As chances de punições são pouco maiores do que zero. Basta recordar os mensaleiros e afins. De desculpa em desculpa quase todos foram protegidos através dos mecanismos corporativos inventados para não punir. Todos os apontados, apesar do pedido de cassação terão direito à legenda para disputar as eleições deste ano. Até outubro nenhum processo será concluído no âmbito do Congresso e nem na justiça. Desse modo, resta uma possível cassação: a das urnas pelos eleitores. A percepção eleitoral é a de que a sociedade não espera nada mesmo do corporativismo parlamentar. Sabe que eles se protegerão mutuamente. Para o alto clero, quanto mais se desmoralizar o baixo clero, mais força terá para negociar e para mandar no Congresso, no Governo e no país. E de quebra, construírem as suas próprias catedrais de poder político. Resta, pois, ao eleitor a sensação de que a sobrevivência dos parlamentares à punição, torna-os profundamente suspeitos como candidatos, e ao lado disso todo o Congresso à morte por suicídio no imaginário da opinião pública. É uma triste constatação a de que o crime compensa mais do que a lei.
Editado por Giulio Sanmartini às 8/11/2006 02:13:00 AM |
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