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NOSSO HOMEM EM HAVANA

Por Eliana Cardoso, economista em O Estado de São Paulo
Graham Greene publicou Nosso Homem em Havana em 1958, antes da revolução cubana. O herói simpático é um vendedor de eletrodomésticos. Ele aceita uma posição no serviço secreto britânico na ilha caribenha e envia a Londres o diagrama interno de um aspirador de pó como se fosse o projeto de uma rampa secreta para o lançamento de um foguete. A trama acaba descoberta, mas o agente se dá bem. O romance é cheio de ironias, armadilhas, enganos e desenganos, como a história de Cuba e seus líderes.
Um ano após a publicação do romance, Fidel Castro derrubou o ditador Fulgêncio Batista. E poucos anos depois nacionalizou bancos e indústrias, coletivizou a agricultura, deu o calote nos americanos, pôs os críticos na cadeia, fez aliança com Moscou e incendiou a imaginação dos jovens no mundo inteiro.
O comandante derrubou uma ditadura para substituí-la por outra. Raúl Rivera, antes da prisão, escrevia: "Oito policiais na minha casa/ com uma ordem de busca./ Uma vitória definitiva para a vanguarda do proletariado/ que confiscou minha máquina de escrever,/ cento e quarenta e duas páginas em branco/ e uma triste resma de papéis pessoais/ - os mais perecíveis/ dos perecíveis deste verão." Rivera vive hoje em Madri e 15% dos cidadãos cubanos estão exilados.
Mas a cartilha do velho tirano ainda encontra um discípulo em Hugo Chávez e sua insaciável sede de poder. Ironia das ironias, os simpatizantes de Fidel são apenas 33% dos venezuelanos, em contraste com 67% dos equatorianos e 45% dos brasileiros, segundo uma pesquisa recente do Barômetro Ibero-Americano.
Tamanha popularidade confirma o culto da personalidade de Fidel. Mais adorado do que ele só Che Guevara, um totalitário desastrado, mais próximo de Osama bin Laden que do herói da liberdade que o filme Diários de Motocicleta consagrou. Pois foi Che que fundou o sistema de campos de trabalho em Cuba e compôs epigramas de arrepiar: "O ódio é um elemento da luta; ódio que não se curva, que empurra o homem além de seus limites naturais, que o transforma numa máquina de matar eficiente e fria."
Pena que esses discursos inflamados embacem as lentes com que olhamos Cuba e prejudiquem uma avaliação desapaixonada da economia. Séries estatísticas esparsas e cheias de buracos também dificultam o trabalho de quem deseja estudar o desenvolvimento do socialismo tropical. Mas se sabe que, 20 anos atrás, a economia se tornara tão dependente da União Soviética quanto fora dos EUA antes da revolução. O colapso da União Soviética mergulhou Cuba numa crise prolongada e profunda durante os anos 1990.
Hoje a situação econômica está melhorando graças à alta do preço do níquel, à receita do turismo e à ajuda de Hugo Chávez. Seguindo os primeiros passos dados pela China 30 anos atrás, Cuba introduziu alguns mercados para produtos agrícolas. Já se podem comprar abacates, mangas, lagostas e camarões no mercado. É progresso para quem antes corria o risco de ser preso se plantasse vegetais para vender.
Mas o comandante está morrendo. Sua herança ainda é incerta. O cenário idílico seria o de uma paulatina reinserção de Cuba à comunidade latino-americana, com a introdução de eleições democráticas, facilitadas pelo crescimento econômico.
Entretanto, mesmo quem acredita no pragmatismo de Raúl Castro - que como vice-presidente deve suceder ao irmão - duvida que ele esteja planejando uma transição democrática. A esperança é que ele se transforme no Deng Xiaoping cubano. Deng introduziu reformas radicais depois da morte de Mao. Dizem que Raúl é bom administrador e, como Deng, poderia abrir e reformar a economia mesmo que preservasse o regime que não respeita os direitos humanos.
Mas Raúl já está velho e não tem a popularidade de Fidel. A especulação a respeito de sua sucessão não vai demorar muito. Seria difícil acreditar que uma ilha a menos de 30 minutos de avião de Miami continuará impermeável a mudanças políticas depois da morte do ditador.
Existe ainda uma alternativa trágica. Entre os cubanos exilados nos EUA há reivindicações de propriedade e ações judiciais. O retorno dos imigrantes com apoio dos EUA seria o desastre. Pois a desigualdade racial mudou com a revolução. Nem os negros nem os militares haveriam de aceitar a intromissão.
Apesar dos erros abissais do comunismo, da estratégia econômica equivocada e da tortura dos dissidentes, Cuba merece um futuro melhor que o de campo de pilhagem dos exilados de Miami e da politicagem norte-americana. A possibilidade de intervenção externa (com guerra civil e pirataria baseada no tráfico de drogas) mergulharia o Caribe num ciclo de caos e violência. Interessa aos EUA e à América Latina evitar que isso aconteça.
Por isso vale a pena examinar um quarto cenário, que combina duas idéias: a de que o progresso econômico é a melhor forma de se livrar da mentalidade socialista e a do ditado cubano que diz que "el que no cambia todo no cambia nada". Se isso é verdade, a economia cubana precisa de uma terapia de choque, cujo sucesso depende da mudança da posição dos EUA, que tem sido de confronto, para outra de colaboração.
O primeiro passo dos EUA deveria ser a remoção do embargo comercial. Em geral, embargos não atingem seus propósitos e, no caso de Cuba, ao invés de desestabilizar Castro, apenas contribui para mobilizar o sentimento mundial contra os EUA. Não existe justificativa para um embargo de 45 anos contra um país com o qual não se está em guerra.
O segundo passo seria a admissão de Cuba como membro do Banco Mundial e do FMI. As duas instituições podem oferecer a Cuba assistência técnica para definir uma estratégia econômica e recursos para financiar reformas. A transição dos países comunistas da Europa Central indica que existe vida depois do comunismo.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/14/2006 04:32:00 AM      |