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NÃO AO AUTORITARISMO
Por Carlos Alberto Di Franco, professor em O Estado de São Paulo
Governos freqüentemente cedem à tentação do autoritarismo. Em passado recente (no governo Fernando Henrique Cardoso), imprensa e Ministério Público foram ameaçados com tentativas de aprovação da chamada Lei da Mordaça. Lula e o PT, então, posavam de defensores da liberdade e empunhavam o bisturi investigativo. Lei da Mordaça, jamais! As CPIs eram defendidas como instrumento indispensável no combate à corrupção. Agora, instalados no poder, a coisa mudou. Entusiasmou-se o presidente da República com a esdrúxula proposta de um grupo de juristas para restringir os poderes das comissões parlamentares de inquérito. E, aproveitando a carona, tratou de lançar mais um projeto ao vento: a criação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Reforma que, diga-se de passagem, não o preocupou até ontem. Não vingará. Mas, se desse certo, ajudaria, e muito, a desviar a atenção das incômodas CPIs. Na esquizofrênica lógica presidencial, comissão parlamentar de inquérito, louvada num passado não tão distante, virou conspiração para derrubar o governo. Ministério Público, antes encarado como aliado, passou a ser visto como contrapoder. E a imprensa, segundo o raciocínio presidencial, se transformou em ponta-de-lança das elites insensíveis e irresponsáveis.
Vale a pena, caro leitor, relembrar os precisos comentários do então procurador-geral de Justiça de São Paulo Luiz Antonio Guimarães Marrey. Em declarações à imprensa, o promotor defendia a ação do Ministério Público no combate aos predadores do interesse público. Ao comentar as críticas de alguns políticos que vislumbravam abusos em certas ações do Ministério Público e os projetos que pediam o esvaziamento das atribuições da instituição, afirmava: "São propostas contrárias aos interesses da sociedade. Se existe uma instituição que tem colaborado para a construção de um novo País, democrático e republicano, tem sido o Ministério Público, responsável pela vigilância no gasto do dinheiro público, na defesa do meio ambiente e na ação contra criminosos, inclusive aqueles com maior poder econômico ou político."
Concordo com a sua visão do papel do Ministério Público, que, em parte, se aproxima da missão dos meios de comunicação social. As conseqüências individuais e sociais do nosso trabalho informativo exigem, como é lógico, independência e sensibilidade ética. Preocupam-se alguns com os perigos de prejulgamento que podem advir de uma declaração precipitada e pública da autoridade (leia-se do Ministério Público) estampada em título de jornal. Procuram, por isso, criar um sistema que proteja a intimidade e garanta a presunção de inocência de pessoas submetidas a processo investigativo. Esse cuidado legítimo, contudo, pode transformar em regra o que deveria ser rigorosamente exceção.
Fatos recentes evidenciam a importância da informação jornalística e da ação do Ministério Público como instrumentos de efetivação da justiça. O Brasil, não obstante a gigantesca onda de corrupção que tanto nos envergonha, está melhorando. Não se cura uma doença grave com terapias florais. É preciso lancetar e extirpar o tumor. Custe o que custar. Ninguém discute que o Brasil tem avançado graças ao esforço dos meios de comunicação. Duvido que o processo democrático possa avançar no terreno empobrecido pela falta de informação. A Venezuela de Hugo Chávez, louvada e aplaudida por inúmeros integrantes do governo petista, pode ser tudo, menos um modelo de eficiência e de democracia. O populismo traz votos no curto prazo, mas gera miséria e crise no longo prazo. O presidente Lula, homem público com fascinante biografia, não deve permitir que o imediatismo e a paixão pelo poder comprometam o corolário da sua carreira.
A informação é a medula da sociedade democrática. Precisamos, sem dúvida, melhorar, e muito, os controles éticos da notícia, combater as injustas manifestações de prejulgamento, as tentativas de transformar a mídia em palanque ideológico e eliminar a precipitação que pode desembocar em autênticos assassinatos morais. Mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar de criticar as tentativas de cerceamento do dever ético da investigação. As reiteradas tentativas do governo de controlar a imprensa, o Ministério Público e, agora, o próprio funcionamento do Congresso Nacional não colaboram para a imagem de austeridade e defesa da ética que o presidente Lula tenta vender. Fatos são fatos. Discursos são discursos.
Não se consolida a democracia com casuísmos jurídicos. Edifica-se um país, sim, com o respeito à lei e à verdade. Ao presidente da República, que, questionado, nega qualquer envolvimento pessoal com os desmandos de seus auxiliares, só deveria interessar a busca da verdade e a punição dos corruptos. Por isso, presumindo a sinceridade de Sua Excelência, não se entende o seu recorrente empenho em criar embaraços ao trabalho investigativo das CPIs, ao esforço informativo da imprensa e ao labor de apuração do Ministério Público. Como afirmou Dora Kramer, com razão, "no lugar de capitanear um movimento de superação da crise política convocando 'os bons' a dar combate à degeneração dos costumes usando os instrumentos usuais da democracia, o presidente da República prefere desqualificar mais ainda o Parlamento, impregnando na sociedade o negativismo que paralisa, desanima, a todos iguala e dissemina a desesperança, semente do autoritarismo".
A sociedade brasileira, queira ou não o presidente da República, exigirá explicações para as notáveis contradições que permeiam o discurso e a prática do fundador PT.



Editado por Giulio Sanmartini   às   8/14/2006 04:28:00 AM      |