por Dora Kramer em O Estado de São Paulo Políticos perderam a noção de que é o crime o inimigo comum a ser combatido O bate-boca entre políticos de governo e oposição seria apenas ridículo não fosse antes uma dramática expressão da impotência do País frente ao crime organizado. Trocam acusações que já freqüentam o terreno do delírio e apontam soluções inúteis porque ninguém - candidatos, partidos e sociedade - tem a mais pálida idéia do que fazer. Enquanto a bandidagem ocupa a cena eleitoral, paralisa o transporte coletivo em São Paulo, interdita a circulação de candidatos em áreas dominadas pelo crime no Rio de Janeiro, governo e oposição caem reféns da armadilha da politização de um assunto de polícia, perdendo a noção de que o inimigo real é comum e não dá expediente nos partidos, milita em tempo integral na marginalidade. O mundo legal briga às tontas e o submundo da delinqüência fornece a munição aos tontos. É assim que o diabo gosta de ver as coisas. Um bom ponto de partida para organizar o ambiente de total desacerto seria a tomada de consciência de que a culpa essencial é do bandido. É ele que ataca, agride, incendeia, seqüestra, tortura, mata, solapa a soberania do cidadão, ameaça seu direito à vida, ao trabalho, à liberdade de ir e de vir. Uma vez iniciada a conversa nesses termos, quem sabe os homens e mulheres de responsabilidade pública pudessem começar a entender que à população pouco interessa se a ineficácia é federal, estadual, municipal, petista, tucana ou pefelista. Importa é saber se alguém nesse cipoal de acusadores à deriva tem conhecimento de causa, disposição, coragem e capacidade de liderança para apontar o caminho de saída de uma situação construída ao longo dos anos com a participação de todos: do Estado leniente - por corrupto ou abúlico - à população subserviente e, sob determinadas circunstâncias, conivente. No momento, o debate estacionou em grau sofrível. De um lado, a oposição insinua conluio entre o PT e facções criminosas para prejudicar a candidatura de Geraldo Alckmin. PSDB e PFL acham "muito estranho" ocorrerem tantos ataques em pleno período eleitoral e vêem manipulação partidária por trás. Muito bem, não seria o caso, então, de o sistema de inteligência da polícia paulista já ter transmitido aos superiores do PSDB (partido há 12 anos no comando do Estado) um mapa completo de informações de modo à oposição apresentar ao público algo mais que ilações? Se verdadeiras, demandariam ordens de prisão endereçadas ao Diretório Nacional do PT; se falsas, são passíveis de processo por calúnia e difamação. E, ainda que seja isso mesmo, as facções continuam lá com poder de fazer e acontecer, dando verdadeiros bailes nas autoridades sem que os donos do poder no Estado pudessem impedir a manipulação. De mais a mais, o argumento é fraco, pois a insegurança pública não é mazela paulista, é drama nacional. No Rio de Janeiro, onde outro dia mesmo os jornalistas foram impedidos pelos capitães do narcotráfico de subir o morro para acompanhar atos de campanha de candidatos ao governo do Estado. O fato foi absorvido com a naturalidade das realidades aceitas como normais. O caso de São Paulo, principalmente por ser um repique, assustou, mas o do Rio de Janeiro passou batido, sem abalos de nervos. De outro lado, o governo federal comandado pelo PT oferece uma falsa solução, pondo "à disposição" do governo de São Paulo um punhado de soldados recrutados nas Polícias Militares País afora, integrantes de uma certa "tropa nacional" que, ao que se saiba, não deu até hoje 15 minutos de serviço em prol do combate efetivo da criminalidade no País. Se tudo o que o governo federal sabe, ou pode, fazer é pôr tropas à disposição, perdoe o leitor a comparação extemporânea, mas mais parece aquele ajuntamento de craques recrutados em times europeus dizendo-se à "disposição" do "professor Parreira". Quando não se sabe aonde se quer chegar nem como atingir o objetivo de resto não definido, não se sai do lugar e se recorre ao insulto para expiar culpas e aplacar consciências. O presidente foi particularmente infeliz ao citar o exemplo do Espírito Santo, que aceitou ajuda federal. Ou ele ignora, ou propositadamente desconhece que o trabalho de combate ao crime organizado naquele Estado foi fruto de um longo processo de trabalho conjunto de forças oficiais com atuação forte do Ministério Público, que nada tem a ver com a presença de soldados da tropa nacional, uma peça mais de propaganda que propriamente de resultados. Há resistências de governadores, temerosos de ceder poder ou de dividir providências com adversários políticos? É o que mais existe. O caso do Rio e a briga do casal Garotinho com o Palácio do Planalto é exemplo típico. Mas há, sobretudo, falta de empenho do responsável maior pela política nacional de segurança pública - e aqui se incluem Lula e o antecessor, Fernando Henrique Cardoso - de enfrentar as resistências, pegar o touro na unha e tirar os planos do plano das boas intenções que congestionam o inferno, mas não resolvem nada.
Editado por Giulio Sanmartini às 7/14/2006 01:52:00 PM |

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