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LUGAR DE BRASILEIRO É NO BRASIL
PORQUE NÃO TEM COMO NEM PARA ONDE FUGIR

Há cerca de 20 anos, o dito popular "os incomodados que se mudem" se aplicava bem à classe média. Leia-se, aqui, a classe média típica, pelo menos no resto do mundo, como aquela que tem casa própria, carro na garagem, telefone, investe em estudos e compõe os quadros de profissionais liberais, de micro-empresários e de funcionários públicos concursados, com nível superior, inclusive os militares.
Naqueles idos tempos, quando alguém estivesse insatisfeito com a situação do país, e me parece que isso tenha sido a realidade dos últimos 500 anos, simplesmente pegava suas bagagens, tanto materiais como intelectuais, e deixava o solo nacional, levando consigo as brasilidades saudosas do jeitinho, da comida, do carnaval e do futebol. Destino: o mundo das sociedades ocidentais desenvolvidas.
Hoje, as coisas são bem diferentes. Nos últimos anos, as ditas desenvolvidas têm-se transformado em verdadeiras ditaduras dos direitos individuais, sob a permanente vigilância de um cidadão sobre o outro, cheias de processos das mais variadas origens e de leis repressoras - desde o ingrato "assédio sexual", cuja radicalidade acabou por reprimir as mais simples manifestações de apreço pelo sexo oposto, até às malfadadas regras do "politicamente correto", que pretendem fazer com que um negro não possa ser chamado de negro ou um gordo de gordo. Isso sem falar na ditadura da beleza, na da juventude eterna e na do saudável.
Além disso, as constantes ameaças de ataque terrorista, o cada vez mais evidente preconceito contra imigrantes, as ameaças de fenômenos naturais avassaladores (tsunamis, furacões, terremotos), as guerras e as ditaduras políticas reduziram muito as atuais opções de destino dos "fugitivos" brasileiros. Para onde ir com a família? Para onde mandar os filhos? Parece que o lugar de brasileiro está se tornando, cada vez mais, o Brasil.
Mas, que Brasil é este que encontramos construído para nós e para nossos filhos? Uma republiqueta de bananas, pobre, subdesenvolvida, intelectualmente retardada, dominada por uma classe política corrupta e coronelista, pela indústria do superávit, por banqueiros ladrões inimputáveis e pela mídia da "bundalização" – aquela que, além de mostrar muitas caras, bocas e "traseiros", também omite, deliberadamente, importantes informações da população, impõe valores próprios como norma, usa pessoas como objetos de consumo descartáveis e se auto-promove, com uma programação de enaltecimento de seus próprios personagens e atos, pagando salários astronômicos e cobrando horrores para veiculação de imagens e propagandas.
Como se não bastasse tudo isso, a classe média tem assistido, impotente, ao espetáculo do redirecionamento indisfarçável do dinheiro para as mãos de entidades do crime organizado, empresários desonestos, artistas e esportistas promovidos pela mídia (e eles só estão lá, porque há muita gente que vive – e muuuuuiiiiitttto bem! – da sua utilização como produto gerador de capital). Assiste, também, ao emburrecimento de sua própria classe, cada vez mais relegada à categoria de simples força-de-trabalho, em evidente situação do que se poderia chamar de neo-escravidão: na qual as pessoas trabalham para morar, comer e se alfabetizar – muito parecido com o que acontecia com os escravos do passado, guardadas as devidas proporções.
A institucionalização da indústria do crime e da desonestidade impôs à classe média a condição de força-de-trabalho e de fonte pagadora de impostos. Nem ao menos apoio estatal esta classe tem. A carência da atuação estatal, em todos os setores, fez com que a classe média, além dos impostos – usados para distribuir migalhas aos pobres e para alimentar a voracidade dos assaltantes da nova classe milionária dominante – tenha que pagar planos de saúde, segurança particular comunitária, escolas particulares para seus filhos, etc.
A desesperança não mora no coração dos pobres, porque o seu oposto é que lhe serve de alimento. Nem tão pouco reside no coração das classes mais abastadas, uma vez que quase nunca têm que esperar por nada – mandam vir, providenciam, etc. A desesperança se instalou naqueles que percebem a cada vez mais nítida impotência diante do estabelecido – não há como sair desta crise sem que instituições de peso e força se prontifiquem a reagir e combater abertamente o cenário de corrupção e de ingovernabilidade que se instalou no país, em nome do resgate do Brasil para os brasileiros. Mas, pelo que se vê por aí, isso não vai acontecer.
O povo, mesmo não contando com nada, ainda tem as ilusões, a santa ignorância – se tiver que se mudar do imundo para o sujo ou desse para o mal lavado, continuará sempre achando que o melhor ainda estará por vir. Os ricos, bilhardários, não precisam que nada mude, pois vivem muito além desse mundinho medíocre dos meros mortais – o país deles é o mundo e esse negócio de pátria é só coisa do coração mesmo. A classe média está condenada ao ostracismo político, na busca incessante de mais e mais dinheiro, para arcar com seus compromissos e sustentar o país, pagando impostos e trabalhando - abandonada, por ser politicamente "incorreto" defendê-la. Não tem mais onde ficar nem para onde nem como fugir, até que chegue à extinção.


Editado por Adriana   às   6/27/2006 01:30:00 AM      |