Por André Franco Montoro Filho (*) "O que mais preocupa não é nem o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons" Martin Luther King
A vida em sociedade exige algum grau de confiança nas pessoas e nas instituições. Um alto grau de confiança facilita, melhora e torna mais fácil a vida em sociedade. Por outro lado, um baixo grau de confiança exige que as pessoas se defendam e se preparem para ações nocivas e prejudiciais por parte de outras pessoas e de falhas nas instituições. Nestas ações acauteladoras são utilizados bens, serviços e tempo que poderiam ser utilizados em outras atividades de maior utilidade social ou particular. Para que se alcance um alto grau de confiança é preciso que a verdade prevaleça nas relações humanas. A verdade é o caminho para a criação de confiança. A crença ou confiança no respeito à palavra empenhada e, portanto, no cumprimento de contratos sociais ou particulares, implícitos ou explícitos são a base da vida em sociedade. Sem isso vigoraria a lei das selvas ou a lei do mais forte. De outra parte, lembrando que o progresso econômico é fruto do investimento e que o investimento é uma aposta no futuro, que não é conhecido, pode-se constatar a enorme importância do clima de confiança para a economia de um país. Entretanto, este clima de confiança gerado pelo respeito à verdade apresenta algumas características que, em economia do setor público, são as dos chamados "bens públicos", quais sejam: a não-rivalidade e a não-exclusão. De fato, o consumo do bem "clima de confiança" é não rival. Você, leitor, e toda a sociedade se beneficiam deste clima de confiança nas pessoas e instituições. O consumo deste bem por um cidadão (desfrute do clima de confiança) não retira nada do consumo de outros cidadãos, todos consumimos igualmente este bem. Além da não-rivalidade, este bem (verdade, confiança) apresenta outra peculiaridade: mesmo que as pessoas não paguem, elas não podem ser excluídas do consumo deste bem ou do desfrute do clima de confiança. Estas características podem gerar abusos, que se configuram em problemas. Havendo este clima de confiança, alguém metido a esperto ou malandro pode querer se aproveitar e tirar vantagem da "boa-fé" alheia. A curto prazo e individualmente, ele pode beneficiar-se. Ocorre que outros, vendo este comportamento, são estimulados a também procurar ser espertos ou malandros e, com isso, todo o clima de confiança desaparece, prejudicando toda a sociedade, e, portanto, acabando com a eventual vantagem do primeiro malandro. Para que este último recupere a vantagem inicial ele vai precisar ser mais malandro, mais esperto que os demais. Com isso haverá reação de outros, iniciando uma acirrada competição de malandragem. Infelizmente, o Brasil está próximo desta situação, se é que já não estamos em pleno campeonato de esperteza. Por suas características de bem público, o clima de confiança não pode ser fornecido por mercados privados, pela oferta e procura, determinando um preço por este bem ou serviço. Como salientamos, mesmo que a pessoa não pague, ela não pode ser excluída do desfrute do bem e, assim, não há estímulo para pagamento. É possível tomar carona no consumo do bem (clima de confiança) sem pagar. Desta forma, é necessário que a sociedade crie mecanismos para estimular a sua "produção". Estes mecanismos podem ser positivos, ou seja, que premiem comportamentos adequados ou punitivos. Entre os positivos, o mais importante é o reconhecimento e a valorização social da verdade. Infelizmente, muitas vezes este reconhecimento social é insuficiente. Alguma punição se impõe. Diversos países e instituições, para coibir ou restringir a vontade de ganhar vantagem (indevida) malandramente, além de cultivarem padrões éticos de comportamento, estabelecem, e cumprem, severas punições para os infratores. Este ano, na corrida de Fórmula 1 em Monte Carlo, na etapa de classificação, em 27 de maio, um piloto alemão procurou ser malandro. O que mostra que a pretensão à malandragem não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Mas a direção da corrida de pronto o puniu e assim evitou que ele obtivesse a indevida vantagem. E, além do mais, ele ficou pior do que se não tivesse tentado ser malandro. O alemão perdeu. É esperado que esta decisão não apenas tenha impedido a vantagem almejada, como tenha sido um alerta para que ele e outros não procurem, no futuro, comportamentos malandros ou espertos. No Brasil, infelizmente, grassa a impunidade. Nos últimos anos a mentira se tornou um valor social com grande cobertura na mídia nacional e quase um direito reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Deputados mentem seguidamente e são absolvidos. Testemunhas mentem amparadas por liminares do STF. O povo, perplexo, assiste a todo esse espetáculo deprimente sem conseguir distinguir, por causa de tanta mentira, o que é falso e o que é verdadeiro. Não é assim que se constrói uma nação. Não é assim que chegaremos ao Brasil que tanto desejamos. É preciso dar um basta. Dadas as características de bem público deste bem - clima de confiança -, não adianta apenas um esforço individual. É necessário um esforço coletivo e solidário para restabelecer um padrão mínimo de confiança. Uma oportunidade de ouro para este despertar surge nas próximas eleições gerais. Neste momento de indignação e pessimismo, muitos proclamam a irrelevância de eleições e propõem o voto nulo. Ocorre que o voto nulo só beneficiaria os "espertos". Precisamos é de voto consciente, em pessoas comprometidas com valores éticos, capazes de resistir ao canto da sereia das vantagens imediatas e de liderar a reconstrução de um clima de confiança baseado na força da verdade.
(*) Andre Franco Montoro Filho é professor de Economia da USP
Editado por Adriana às 6/25/2006 12:24:00 AM |
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