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PALAVRAS AO VENTO, OU NÃO?
Editorial do Estado de S.Paulo

Falando de sua saída do Planalto e do quadro político nacional, o ex-ministro de Comunicação do governo e ex-coordenador do seu Núcleo de Assuntos Estratégicos Luiz Gushiken disse ao Estado que, “depois de uma campanha como essa, o País precisa de tranqüilidade”. E, com a oposição concentrada em lamber as feridas da derrota eleitoral e em tatear os incertos caminhos do seu futuro, e com os políticos em geral numa corrida desembestada para ver quem adere com mais entusiasmo ao presidente reeleito, tudo contribui para que a tranqüilidade reine. Tudo, menos quem deveria ser o maior interessado nela: o presidente reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva.

Na mesma segunda-feira em que Gushiken assegurou que ele “está oferecendo a concórdia”, em um comício pró-Chávez, na Venezuela, Lula soltou o verbo contra a imprensa nacional, os banqueiros e o empresariado - que, aliás, como a esquerda petista, só critica a política monetária de juros altos. O pior da catilinária lulista, como semeadura da discórdia, foi a falsificada comparação dos climas eleitorais nos dois países e a impropriedade de se equiparar a Chávez no papel de vítima de preconceitos e incompreensões. Nada disso se justifica - e tudo isso inquieta -, mesmo porque, oficialmente, Lula foi a Ciudad Guayana não para dar uma força ao seu “querido companheiro” venezuelano, que, evidentemente, não precisa dela, mas sim para tratar de assuntos sérios do interesse de ambos os países.

Nem mesmo tendo em mente que o palanque aceita tudo, e que esse é o espaço público no qual Lula mais se sente em casa para dizer o que lhe der na telha, se pode fazer de conta que foram apenas palavras ao vento. A começar pelo que ele afirmou sobre a mídia.

Lembrou de sua surpresa, há três anos, diante da contundência dos ataques da TV privada venezuelana a Chávez - que dividiu o seu país de alto a baixo. “Eu jamais imaginei que isso pudesse acontecer no Brasil”, comentou. “E aconteceu o mesmo.” Em campanha eleitoral, mesmo que não seja a sua própria, ele não abre mão daquele “direito de mentir” inventado pelo governador eleito da Bahia, Jaques Wagner. Na verdade, Lula sofreu na campanha uma única investida, não da imprensa, mas do adversário Geraldo Alckmin, no primeiro dos debates televisivos. Nas sabatinas a que foi submetido por jornais e emissoras, nenhum dos entrevistadores, mesmo nas perguntas mais embaraçosas, chegou perto de agredi-lo, para repetir o termo que ele usou anteontem.

Se Lula de fato considera agressão pessoal falar-se dos escândalos éticos de sua gente, do Waldogate ao fracassado golpe do dossiê contra os tucanos em São Paulo, está na hora de ele fazer uma “auto-reflexão”, como sugeriu aos jornalistas o mal-humorado presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia. Há um abismo, repita-se, entre o radicalismo da mídia venezuelana, pró e contra Chávez, e a conduta dos órgãos da mídia brasileira, especialmente a TV, em relação a Lula. Mesmo quando ele sustenta que na raiz da oposição a ambos está o preconceito, é menos do que meia-verdade.

No Brasil, quaisquer que sejam as razões objetivas das críticas ao presidente, é fato que a elas se agrega algum grau de preconceito contra o migrante nordestino, operário e dirigente sindical que chegou aonde chegou, embora insignificante demais para interferir na sua trajetória vencedora. Já na Venezuela, a história é outra. Não existe preconceito contra Chávez. Existe uma legítima desconfiança - que ele só faz justificar - contra um coronel que liderou uma tentativa de golpe militar e que depois teve a dúbia distinção de levar o seu caudilhismo a extremos inauditos no país.

É de perguntar se Lula fala o que não deve, disseminando a intranqüilidade, por mera incontinência verbal ou se o seu destampatório é peça de algum projeto inconfessável cujo êxito depende da existência de um clima de intranqüilidade. Custa crer que seja esta a motivação de Lula, antes de mais nada porque ele não tem motivo nenhum para isso, depois da consagradora votação no segundo turno e de ter o seu governo alcançado índices recordes de aprovação. Não obstante, nunca se sabe.

O fato é que Lula saiu das urnas com as mãos estendidas em reconciliação com a imprensa, mas, por atos e palavras, o esquema petista de poder não perdeu ocasião de fazer o contrário. Agora, a fala do presidente sugere que o morde-assopra cedeu a vez ao morde, apenas.


Editado por Anônimo   às   11/15/2006 08:01:00 AM      |