Por Ricardo Taffner em Congresso em Foco
Estudioso aponta os caminhos para manter sob controle a doença que hoje toma dos brasileiros R$ 10 bilhões por ano A melhor forma de controlar a corrupção é a punição exemplar dos envolvidos. A prisão e, sobretudo, o confisco de patrimônio são as penas mais indicadas aos corruptos, afirma o promotor de Justiça de São Paulo Roberto Livianu, autor do recém-lançado livro Corrupção e Direito Penal - um diagnóstico da corrupção no Brasil (Editora Quartier Latin). Para ele, a sensação de impunidade tem sido um dos principais fatores de incentivo ao crime. Em entrevista ao Congresso em Foco, o promotor defende a realização das reformas política e do Judiciário. Livianu acredita que a falta de fidelidade partidária transforma as legendas em marcas de propaganda para eleição e não cria vínculos com linhas ideológicas, transformando mandatos políticos em mercadoria para negociatas. Por outro lado, observa, a legislação brasileira guarda armadilhas para atrasar julgamentos e punições de casos emblemáticos. Estima-se que a corrupção suga a cada ano perto de R$ 10 bilhões no Brasil (leia mais). Estudioso do assunto, Livianu acredita que o fenômeno assume no país características endêmicas. Ele descarta a possibilidade de eliminar totalmente a corrupção, mas aponta no livro diversos caminhos que permitiriam mantê-la sob controle.
Um deles é a necessidade de estabelecer um acordo de cooperação com outras nações a fim de policiar as remessas de dinheiro desviado para paraísos fiscais. Outro envolve mudanças culturais, que levem a sociedade a cultivar valores éticos voltados mais para as necessidades coletivas que para os interesses particulares. "Vivemos no Brasil uma crise ética profunda e que se manifesta na falta de uma linha divisória entre a esfera pública e a privada", afirma. Também condena o nepotismo, que considera "uma das práticas de corrupção". E destaca a importância de reduzir os cargos comissionados, que, no seu entender, contribuem para criar um ambiente favorável à dilapidação dos recursos públicos. Roberto Livianu escreveu o livro com base em tese de doutorado em Direito Penal que ele defendeu dois anos atrás na Universidade de São Paulo (USP), tendo como orientador o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. Veja abaixo o que o promotor disse ao Congresso em Foco. Existe uma maneira de se acabar com a corrupção? Primeira questão, não existe como acabar com a corrupção. Isso é uma utopia e quem afirma que é possível não está dizendo a verdade. A corrupção é um fenômeno político e social extremamente antigo que está presente na história da humanidade em diversos lugares sob formas diferentes. Corrupção se controla com uma série de medidas e ações estratégicas. E quais são os métodos mais eficazes para controlá-la? Existem muitas coisas que podem ser feitas, mas primeiro é preciso saber que corrupção não se combate na base do improviso. São necessários planos objetivos de curto, médio e longo prazo, com vontade política por parte do Estado. No primeiro momento, tem que se trabalhar os grandes casos. As pessoas que praticam corrupção em nível alto precisam ser perseguidas como alvos prioritários, inclusive com a prisão. O senhor defende a prisão dos corruptos? Mas não é a forma ideal. Até porque a pena de prisão não pode ser vulgarizada. A cadeia precisa ser reservada para situações de extrema necessidade social que traz conseqüências perversas ao ser humano. Do meu ponto de vista, a principal pena que deve ser usada é a perda de patrimônio. Além do trabalho da Justiça para recuperar o dinheiro desviado, tem que haver um trabalho para fazer com que o autor da conduta tenha o patrimônio confiscado. Para que ele faça uma análise de que o custo-benefício não vale a pena. Como recuperar as verbas desviadas para os chamados paraísos fiscais? Uma questão fundamental é o investimento técnico em cooperação internacional. A corrupção é um crime que ultrapassa as fronteiras de um país. A prática, muitas vezes ocorre num país, mas os efeitos da corrupção ultrapassam os limites territoriais. Por via de regra, o dinheiro é mandado pra fora. A legislação brasileira ajuda ou dificulta a luta contra a corrupção? É extremamente importante avançar na reforma do Judiciário. Temos uma parafernália de recursos que eternizam os processos. Os julgamentos demoram e essa Justiça lenta causa a sensação de impunidade. Além disso, muito se tem falado sobre a reforma política, que em matéria de corrupção é absolutamente vital. Os mandatos parlamentares se tornaram bens privados, bens de mercado e são basicamente comercializados como bens na bolsa de valores. Os deputados não têm vínculo nenhum com os partidos, não existe fidelidade partidária e relação com ideologia. Os países mais avançados em termos de democracias sólidas têm sistema de partidos bem estruturados, com obrigações e regras rígidas em relação à fidelidade partidária, coligações, prestações de contas, contribuições. A impunidade é realmente o maior incentivo para os corruptos? Quando a pessoa percebe que não há resposta da Justiça, ela vai continuar praticando a corrupção. Tem que reverter isso. Tem que pegar os grandes casos, punir exemplarmente, inclusive com prisão, confiscar patrimônio e mostrar para a sociedade que a corrupção será punida implacavelmente e não vale a pena. E a mídia tem que participar disso. O senhor acha que tem havido punições exemplares? Tem havido algumas punições, mas não há trabalho estratégico como deveria. Até porque existem armadilhas no próprio sistema legal. O promotor não pode priorizar o caso grande e deixar de trabalhar o caso pequeno. Ele recebe pilhas e pilhas e tem que responder a todas elas. Não pode fazer o juízo de conveniência na acusação escolhendo os casos emblemáticos mais importantes. Então, algumas revisões na legislação seriam importantes para dar juízo de oportunidade para punir exemplarmente os casos mais graves. Além da sensação de impunidade, que outros fatores estimulam a corrupção? Um fator importante gerador de corrupção e que tem aumentado no último governo é o aumento do número de cargos em comissão providos sem concurso público. Os países do mundo que adotaram planos eficientes de combate à corrupção conseguiram reduzir o número de corrupção com o enxugamento de cargos de confiança. No Brasil, o movimento tem sido o contrário. O número de cargos de confiança tem relação direta com a corrupção? A existência desse número exagerado de cargos, sem sombra de dúvidas, cria um ambiente propício para a prática de nepotismo. Colocando na administração pública pessoas selecionadas não pelo seu mérito e capacidade, mas por terem ligação com os detentores do poder de nomear. E o nepotismo é uma das práticas de corrupção. Recentemente, a Transparência Internacional mostrou uma piora do Brasil no ranking de percepção da corrupção. Afinal, o que esse índice prova? Há mais casos de corrupção ou mais investigação? Uma coisa é fato. A corrupção é perceptível porque está sendo pautada na mídia e porque as instituições estão realmente funcionando. Isso não quer dizer que temos mais ou menos corrupção. É muito difícil afirmar isso. Tem muita corrupção hoje, como acho que tinha antes do governo Lula. É fato inquestionável que os dois procuradores-gerais indicados pelo governo Lula, tanto Cláudio Fonteles quanto Antônio Fernando Souza, são independentes e fizeram seus trabalhos tranqüilamente. Muito diferente do chamado engavetador-geral da república. Durante oito anos de FHC, ele [Geraldo Brindeiro] não tomou providências em relação aos assuntos de corrupção. Não estou querendo dizer que a corrupção não é grande, ela é sensível. Por que a população continua elegendo alguns parlamentares envolvidos em escândalos? Essa questão é extremamente importante. As pessoas não escolhem ideologia ou programa político, mas indivíduos. O partido, na verdade, é apenas um instrumento de marketing para vender o produto do candidato na época da eleição. O segundo fator é que vivemos no Brasil uma crise ética profunda e que se manifesta na falta de uma linha divisória entre a esfera pública e a privada. As pessoas não têm na agenda um respeito aos interesses da coletividade, só se preocupam com os interesses individuais. Dessa maneira temos uma exacerbação do individualismo junto ao materialismo exagerado. No fundo, se o indivíduo roubou ou não, acaba não refletindo nos critérios de votação porque as pessoas, em boa medida, acabam tolerando. Num primeiro momento, as pessoas afirmam ser contra o mensalão, mas experimente perguntar se elas estivessem na lista para receber o dinheiro se seriam favoráveis. Vai ver que a resposta muda. Nesse sentido, qual o saldo das últimas eleições? O Brasil que sai das urnas é melhor. A vitória de Jaques Wagner na Bahia representa um avanço na história do país. A derrota do carlismo [referência ao poder exercido pelo senador pefelista Antonio Carlos Magalhães] é sinal da maturidade política. Mas aqui e ali têm situações que continuam. O processo de transformação não é absolutamente uniforme e retilíneo, ele tem avanços e recuos. Qual tem sido o real papel das CPIs? A CPI é um instrumento importante da democracia, mas muitos parlamentares usam a CPI como palanque para autopromoção. Muitas vezes, as pessoas se perdem em detalhes e burocracias e não vão ao âmago das coisas. Outras vezes, há briga de vaidades para ver qual CPI vai aparecer na TV Senado ou na TV Câmara. Não se pode perder o foco. É necessário ter um trabalho sério. Agora, o saldo é positivo. Existe alguma maneira de acelerar os processos contra a corrupção? Uma encruzilhada é a abrangência da lei de improbidade administrativa, que está em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Ela é a principal ferramenta jurídica de combate à corrupção. Permite punição rápida com responsabilidade objetiva, com inversão do ônus da prova em relação ao enriquecimento ilícito. Essa lei está colocada em xeque por um ex-ministro do Fernando Henrique [o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg] que postula que a lei não valha para ocupantes de cargos de primeiro escalão e só se aplique para o andar de baixo. A prevalecer esse entendimento, vamos ter a impunidade como regra. Porque a lei não poderá mais alcançar os ocupantes de cargos de poder importantes dentro da República.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/15/2006 01:35:00 AM |
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