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GENROSIDADE INSUSTÁVEL
Editorial em O Estado de São Paulo
Por esperteza eleitoral, nenhum candidato à Presidência tratou com seriedade do problema da Previdência Social. Para fugir do tema, o governo Lula diz que, com boa gestão e crescimento econômico, o desequilíbrio financeiro do sistema previdenciário desaparecerá. Administração eficaz e eficiente dos recursos públicos e crescimento são sempre bem-vindos, mas, no caso da Previdência, não resolvem o problema. As regras para a concessão de benefícios tornam o sistema insustentável no médio prazo. Se nada mudar, em algum momento ele explodirá, com graves conseqüências sociais e econômicas.
As bases para a reforma devem começar a ser discutidas desde já, e, para isso, um estudo recém-publicado por Marcelo Abi-Ramia Caetano, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea, oferece subsídios que merecem atenção.
O que Caetano deixa claro em seu estudo é que o sistema brasileiro, a despeito das últimas reformas, é generoso demais, quando comparado com o de outros países, e, por isso, em algum momento, seu custo não poderá mais ser suportado pela sociedade. Por mais difícil que seja debater o tema, alguns evidentes absurdos do nosso sistema não podem ser ignorados pelos políticos e por aqueles que se preocupam com o futuro.
As alíquotas da contribuição para o sistema previdenciário estão entre as mais altas do mundo. Somadas as contribuições do empregado e do empregador, elas chegam a 31% do salário nominal. É bem mais do que a contribuição média de países com nível de desenvolvimento parecido com o do Brasil (na Argentina, é de 17,2%; no Chile, 10%; no México, 6,3%), de países europeus conhecidos pela proteção social oferecida pelos governos (Alemanha, 19,5%; França, 16,5%; Suécia, 18,9%) e da maior economia do mundo (EUA, 12,4%). Na lista de países selecionados pelo autor, a alíquota previdenciária brasileira só é menor do que a da Itália, de 32,7%.
O Brasil já gasta com a Previdência uma fatia do PIB equivalente à aplicada por países de renda alta e de elevado nível de bem-estar social, como Bélgica, França, Alemanha, Finlândia e Suécia. Mas nem isso nem a alíquota alta demais das contribuições têm sido suficientes para evitar déficits crescentes do sistema previdenciário brasileiro.
O problema não está na contribuição insuficiente, mas, como mostra o pesquisador Marcelo Caetano, nas regras que criam benefícios altos para o valor médio do salário de referência para as contribuições e não evitam que o número de beneficiários cresça mais depressa que o de contribuintes.
Uma dessas regras é a que indexa boa parte das contribuições ao salário mínimo. Como este tem sido corrigido por índices superiores aos da inflação nos últimos anos, os gastos da Previdência também têm crescimento real mesmo na hipótese de se manter constante o número de beneficiários. O regime brasileiro é, no que se refere à correção dos benefícios, o mais generoso de todos os que o pesquisador do Ipea examinou. A regra, nos demais países, é a correção do benefício de acordo com a inflação.
No regime brasileiro, a concessão de pensões por morte não está condicionada à idade do beneficiário ou ao tempo de contribuição. Esse benefício pode se somar a outros, como aposentadoria. Em outros países, as restrições são muitas. Alguns só concedem o benefício à viúva com mais de 60 anos de idade, não permitindo acumulação. Alguns países impõem também carência para o período de contribuição.
Mas o maior absurdo do nosso sistema diz respeito às condições para se aposentar: o Brasil, entre os países examinados, é o único onde não há exigência de idade mínima - embora, ressalve-se, a criação do fator previdenciário, que torna menor o valor do benefício quanto mais jovem o contribuinte se aposentar, tenda a retardar o pedido de aposentadoria. Outro absurdo exclusivo do Brasil são as aposentadorias do setor público, onde o aposentado chega a ganhar mais do que ganhava na ativa.
Esses são problemas que não se resolvem só com boa gestão, nem apenas com crescimento mais rápido, mas com mudanças das regras. Mudá-las exige coragem dos governantes e ambiente político propício para a discussão de temas espinhosos, mas que não podem ser ignorados. O início de um mandato é seguramente o melhor momento para isso.


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/05/2006 05:22:00 AM      |