Por Ana Maria Tahan no Jornal do Brasil Os brasileiros viveram sua semana de Bagdá nos aeroportos. A cena de passageiros ao abandono, sono solto em poltronas de espera e nos tapetes dos guichês, ou correndo de um portão de embarque a outro, no desespero para chegar em casa, lembrou, em proporção tupiniquim, o drama de iraquianos abatidos por dissidentes, por uma polícia mal preparada e por soldados americanos e de outras nações do mundo dito civilizado. Os céus sobre o Brasil possuem mísseis poderosos e pouco conhecidos até agora: os controladores de vôo. Viviam quase clandestinos sob normas rígidas impostas pelo regulamento militar. Trabalham nas torres dos aeroportos. Organizam as aeronaves que vão descer, as que vão subir, as que devem circular à espera de lugar em terra. Estabelecem a altura que precisam alcançar, o plano de vôo. Um erro, e dezenas de vidas se perdem. Porque os controladores não cuidam de aparelhos. Decidem sobre homens, mulheres e crianças que sustentam o movimento aéreo e fazem a fortuna, ou a falência, de companhias do setor.
"Estamos em operação padrão" anunciaram na quarta-feira da semana passada, pelo sistema de som do Aeroporto de Brasília, numa sala de embarque sobrecarregada de histórias e sentimentos humanos. Trinta vôos saíram atrasados do Distrito Federal naquele dia. Funcionários de empresas aéreas arrancavam os cabelos, se os tinham, roucos de explicar a passageiros com pouca paciência que a culpa era deles... os controladores. Os mesmos que ganharam ilimitada defesa da Aeronáutica e, por tabela, do governo Lula, na tragédia do Gol que enterrou 154 brasileiros na Amazônia depois de se chocar com um Legacy da Embraer pilotado por americanos. Viajantes que circulam entre aeroportos, levados por negócios, estudos, carreira, emprego contavam que a confusão só fazia aumentar desde meados de outubro. Ninguém sabia e o governo não se movia. Só deixou de ser avestruz quando, de atraso em atraso, os aeroportos viraram campos de refugiados. A partir deste momento o governo Lula expôs suas fraquezas. O presidente convocou ministros para exigir soluções. O da Defesa, Waldir Pires, surgiu para, com jeito de criança inocente, contar que se surpreendeu. Também ele deve ter descoberto, em meio aos tumultos, a existência dos controladores. Se tivesse lido o relatório deixado pelo antecessor, José Viegas, saberia que a tragédia era anunciada. Na passagem de 2003 para 2004, Viegas advertiu para as conseqüências trágicas no futuro do corte de verbas para ampliar a segurança e modernizar os instrumentos de vôo no país. O ministro da Aeronáutica e os brigadeiros também sabiam. Devem ter esquecido de avisar a Pires. Pior, ao presidente da República. José Viegas durou pouco no cargo. E o relatório foi esquecido em alguma gaveta planaltina. Os militares do ar intervieram no controle do tráfego de aeronaves. Vão contratar sem concurso. Irão produzir especialistas às pressas. Convocaram aposentados para o serviço. Dobraram o horário dos controladores da ativa. Os passageiros, contudo, não esperem céu de brigadeiro. As nuvens vão toldar muitas viagens no futuro próximo. Paga-se o preço pela Operação Daslu implantada pelo governo Lula nos aeroportos: prédios modernos, chãos de granito, fingers, salas de embarque confortáveis. E nada na aquisição de equipamentos e capacitação de profissionais. Menos ainda em salários. Dias piores virão. Com os aeroportos conturbados, viajantes vão descobrir que as estradas federais estão em fase iraquiana. A operação tapa-buracos foi uma jogada de marketing. E os investimentos em infra-estrutura rodoviária são sonho de um vôo de verão. Com o perdão do trocadilho.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/04/2006 10:55:00 AM |
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