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DÁ-LHE RIGONI !
Por Giulio Sanmartini
José Inácio Werneck, em sua crônica no ESPN – Brasil (veja no final desta “O homem do violino”), faz uma homenagem ao recém falecido Luiz Rigoni, sem dúvidas o mais famoso jóquei da história do turfe brasileiro. O fato trouxe lembranças de minha infância, passada no então distante bairro do Jacaré (RJ), no início dos anos 1950. Quando jogávamos pelada na rua e calhava do “goleiro” fazer uma defesa, sempre tinha algum passante que gritava:
- Agarra Barbosa!
Numa referência, ao goleiro mais famoso da época, Barbosa do Vasco da Gama e do escrete brasileiro.
Da mesma forma se alguma criança passasse correndo, alguém gritava:
- Dá-lhe Rigoni!
Numa referência ao grande freio.
Ainda peguei o turfe elegante, depois corridas arranjadas entre jóqueis, treinadores e cavalos dopados (na agulha), reduziram à marginalidade o esporte dos reis.
No boxe foi a mesma coisa. No Nobre Esporte, dos pugilistas citados por Zé Inácio ficou faltando Archie Moore, um meio pesado que não dizia de forma alguma sua idade, ficando por isso conhecido como Archie Ageless (Arquibaldo sem idade), fato é que permaneceu nos ringues vencendo, espalhando técnica, inteligência e classe por 27 anos, quando teve seu título retirado pelas autoridades americanas por não gostarem de suas críticas, nessa época, sabe-se hoje, Archie tinha 50 anos. Lutou no Brasil, fui vê-lo levado por meu tio, bateu-se contra o campeão brasileiro dos meio pesados Luisão, que para sobreviver era ferroviário (terminou sonado, por irresponsabilidade de seu treinador), é claro que Moore venceu com sobras, o encontro foi em São Paulo, no Ibirapuera.
O boxe brasileiro teve nos anos 1930, um lutador que se tornou mais famoso como compositor de música popular que como pugilista, o Kid Pepe, um italiano que veio para o Brasil ainda criança e chamava-se Giuseppe Gelsomino (José Jasmim). De parceria com Nöel Rosa “compôs” a imortal “O orvalho vem caindo”, contava o Almirante que ele obtivera a parceira à força, tendo até agredido Noel com um hook no fígado.
Voltando ao boxe, com o início do programa televisivo, no final dos anos 1950, Tv Rio Ring, apresentação de Léo Batista, acompanhamento de Luiz Mendes e comentários de Renato Pacote, o boxe atinge seu auge. Era a época em que começava a profissionalizar-se o peso galo Eder Jofre, que além de ter sido o maior lutador brasileiro de todos os tempos, foi também um dos maiores do mundo.
Não posso deixar de falar em Fernando Barreto que foi dessa época, um excelente peso médio, poderia chegar a campeão do mundo. Fez até uma luta sem valer o titilo com o campeão que terminou empatada, todavia, lutando com um argentino recebeu uma cabeçada no supercílio direito, a lesão foi mal curada, fez diversas operações, mas essa ficou sendo sua parte fraca o que o impediu de levantar o cinturão. O conheci em 1963, nossas namoradas moravam no mesmo prédio e assim o encontrava com freqüência e é claro, que nosso papo era boxe. Depois de dois nocautes e duas lutas seguidas ficou hemiplégico. Em 1971, eu trabalhava numa fábrica de refrigerantes e o contratei para fazer promoções nas escolas. Passados 20 anos, no bar Feitiço da Vila, fui mais uma vez encontrá-lo, vendendo não sei o que, estava todo mal andado, mas ficou feliz estar com alguém que conhecera sua glória.
No boxe mundial, todos exaltam Mahomed Ali (Cassius Clay), de fato foi um grande lutador. Vi e revi a luta com Sonny Liston que lhe deu o primeiro campeonato mundial e não encontrei o motivo que tenha feito Liston desistir. Na época se disse que este tivera o ombro deslocado ao receber um golpe de caratê.
Fez grandes lutas, mas a melhor foi com Joe Fraize, e a perdeu. Reconquistou o título por desistência de Frazier, mas hoje se sabe que tinha sido dopado. Começou a fazer lutas arranjadas, sob comando de Don King, o responsável pela decadência do boxe. O pugilismo nos Estados Unidos ainda teve seus momentos de glória com Mike Tyson, que depois foi triturado pela imprensa e pela opinião pública: era feio, preto e dizia cruamente as verdades, algo imperdoável, numa sociedade hipócrita.
No Brasil, Eder Jofre depois de perder o título de Galo, retirou-se, mas necessidades econômicas o fizeram voltar como peso pena, foi campeã do mundo nessa categoria em 1973, numa luta estranha e com uma bolsa ridícula. Brasileiro campeão do mundo também foi Miguel de Oliveira, na categoria meio médio ligeiro (1975).
Luciano do Valle, de forma pouco ética quis fazer do ridículo pobre diabo Maguila um boxeador, tarefa impossível. Agora o campeão do mundo brasileiro é o baiano Ancelino Popó, num boxe que está confuso no mundo inteiro.
Don King, o grande cafetão dos boxeadores, com suas atitudes dúbias e pouco sérias, promovendo lutas apostemadas, tirou do esporte o título de Nobre, pois a nobreza não existia isoladamente, provinha do sofrimento e da dor dos atletas que pisavam num ringue.

O HOMEM DO VIOLINO
Por José Inácio Werneck no ESPN Brasil
A morte de Luiz Rigoni traz à memória uma época em que tanto o turfe quanto o boxe brilhavam na vida brasileira.
Bristol (EUA) – Em minha última coluna, falei do declínio do turfe e do boxe como esportes e houve quem pensasse que eu não gosto nem de um nem de outro. Ledo engano. Como não gostar de um esporte em que tivemos, no Brasil, um artista como Éder Jofre, e, no mundo, uma figura de incomparável carisma como Muhammad Ali? Até hoje me lembro do dia em que, como copy-desk esportivo em um jornal carioca, a mim foi dada a honra de redigir os telegramas que chegavam com a vitória daquele que ainda era Cassius Clay sobre o malvado Sonny Liston.
E vivi, graças a Deus, o que eu acho tenha sido a fase áurea das corridas de cavalo no Brasil. Teófilo de Vasconcelos, o narrador no Hipódromo da Gávea e na rádio Jornal do Brasil, ganhou tal projeção nacional que virou artista de cinema e de teatro, estrelando no último Sua Excelência em 26 Poses, com o renomado Silveira Sampaio.
Ir às corridas de cavalo era programa tão importante que exigia terno e gravata – e não estou falando apenas das sociais – mesmo no verão mais inclemente. Os jornais tinham cronistas conhecidíssimos como Haroldo Barbosa, o Pangaré. A linguagem do turfe, com sua gíria peculiar, extravasava para as ruas. O Grande Prêmio Brasil, disputado em agosto, era talvez o maior acontecimento do ano, exigindo a presença de colunistas sociais como Ibrahim Sued e Jacinto de Tormes, muito conhecido também por seu nome de Manoel Bernardes Müller e seu diminutivo de Maneco.
Sobre tal universo pairava a figura meio mitológica de Luiz Rigoni. Eu era seu fã de carteirinha, sobretudo depois que ele sofreu um sério acidente de carro e ficou dois anos fora das pistas. Ao acidentar-se, tinha sido algo assim como sete vezes consecutivas campeão das estatísticas e, ao voltar, encontrou pela frente um novo astro, o Bequinho, que se projetara durante sua ausência.
Rigoni era freio, Bequinho bridão. Se eu pudesse fazer uma comparação com o futebol, diria que Rigoni era um Heleno de Freitas, um homem naturalmente elegante, que brilhava com as mulheres e ganhou do compositor Luiz Reis o apelido de Homem do Violino. Bequinho, cujo nome não recordo, estava mais para um Garrincha. Meio desengonçado, bastante plebeu, mas uma força da natureza, ganhava páreos com uma facilidade incrível.
Rigoni, que mereceu até um tango, morreu agora. Muitos me acusarão de saudosismo, quando na verdade apenas registro um fato. As corridas de cavalo, o Esporte dos Reis, perderam seu imenso status e hoje quase passam despercebidas, carcomidas por rumores sobre estranhas injeções e apostas escusas.
O boxe encontra-se talvez em pior situação. Seus grandes nomes estão no passado: Gene Tunney, Max Schmeling, Jack Dempsey, Max Baer, Sugar Ray Robinson, Joe Louis, Rocky Marciano, Jersey Joe Walcott e, no Brasil, além de Éder Jofre e Luisão, lembro-me sobretudo do Fernando Barreto, um carioca que acabou sonado e ganhou emprego como porteiro no Maracanã.
Se o turfe era o Esporte dos Reis, o boxe era a Doce Ciência. Não sou contra um nem o outro. Apenas cito-os como exemplos do que pode acontecer quando um esporte não zela por sua reputação.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/17/2006 07:26:00 AM      |