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COMO COLLOR SE FERROU COM FIDEL
Por Ipojuca Pontes, cineasta em Mídia sem Máscara
Vi que o governo Collor de Mello não tinha futuro logo no primeiro dia, quando, no momento em que o presidente eleito discursava, Fidel Castro movia-se na platéia do Congresso Nacional, intrometido na sua indefectível farda (cor de excremento de menino novo) de “comandante-em-chefe”. Tomei um susto: o que fazia ali o velho tirano da ilha-cárcere – um sujeito que desde os anos de 1960 queria impor pela força a revolução comunista na América Latina - justo na posse de um político tido como de “direita” e que fora eleito para introduzir a moderna sociedade de mercado no Brasil, um país que vivia (e ainda vive) atolado até o pescoço no corporativismo, na corrupção e no intervencionismo estatal?
Sim, prevalecia ali uma bruta contradição: na tribuna de honra, enquanto o presidente eleito pelo voto popular depois de um quarto de século defendia em palavras (afinadas por Guilherme Merquior) um projeto de governo voltado para a abertura econômica, a privatização das empresas estatais e a desregulamentação geral dos entraves oficiais e burocráticos, a inibir o livre comércio e a inserção do País no mundo globalizado, na platéia, tal qual um elefante no picadeiro, o velho ditador espargia a sua presença ostensiva indissoluvelmente ligada ao atraso, à violência e à triste miséria do povo cubano. O que significava aquilo? Era incrível: em vez de Margareth Thatcher, via-se ali o velho tirano do Caribe e sua truculenta corte de guarda-costas.
Como não pertencia a nenhuma patota dentro do governo, embora assumisse a pasta da Cultura, fiquei no ora-veja. Mas soube depois, cavando daqui e dali, que os “barbudinhos” do Itamaraty tinham convencido o novo presidente não só a receber Fidel Castro, na posse presidencial, mas a adotar a política do “não-alinhamento” e de “independência” face aos Estados Unidos, especialmente naquelas circunstâncias históricas, em que o comunismo soviético desmoronava, e Cuba andava na completa pindaíba, visto não mais receber da URSS a mesada anual de US$ 6 bilhões, suspensa por um Gorbachov hostil. O próprio ministro das Relações Exteriores, Francisco Rezek, ridicularizado pelas esquerdas com a alcunha de “Rolando Lero” (personagem da Escolinha do Professor Raimundo, de Chico Anísio), teria esboçado uma resistência para que prevalecesse certa neutralidade, diante do nosso maior parceiro comercial - mas o Itamaraty de Ítalo Zappa, o “embaixador vermelho”, ganhou a parada.
De fato, Cuba e Fidel no breve governo Collor passaram a ter tratamento VIP. Em troca de charutos, garrafas de Havana Club e tratamento matreiro, o governo Collor abriu as pernas para o ditador e logo de cara votou na assembléia da ONU contra o justo embargo dos Estados Unidos imposto a Cuba. Depois, não satisfeito, oficializou um “Acordo Comercial de Alcance Parcial” e, logo em seguida, outro “Acordo de Cooperação Científica, Técnica e Tecnológica” – ambos demagógicos e lesivos aos interesses nacionais. (Por exemplo: de uma tacada só, intermediada por Brizola, Collor autorizou a compra de um lote da inócua vacina cubana por US$ 150 milhões).
Para completar, a política externa do Itamaraty passou a se manifestar ostensivamente contra a Lei Helms-Button, que pedia, de forma correta, a indenização ou a devolução das propriedades dos exilados cubanos e das empresas americanas expropriadas pelo assalto revolucionário de Fidel – e a fazer carga contra a Lei Torricelli, que proibia as empresas americanas nos países estrangeiros de fazer negócios com Cuba.
No fundo, Collor de Mello, como já escrevi, era um infante. Sem grande vivência da guerra política-ideológica travada pelas esquerdas no Brasil, percebeu mal a força dos seus arqui-inimigos, os comunistas, sequiosos do poder desde a “intentona vermelha” de 1935, quando o Komintern, em Moscou, presidido por Dimitri Manuilski, um assecla de Stalin, decidiu fazer um “levante pela constituição de sovietes e a tomada do governo no Brasil”, tendo à frente o disparatado Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança Malograda. Coitado do Collor. Dava pena: aceitando o jogo duplo de Fidel, pensava que poderia neutralizar a horda sedenta do PT, sem desconfiar que o próprio tirano do Caribe abastecia de informações, truques e apoio logístico a escalada sem retorno de sua futura degola!
Com efeito, enquanto Collor recebia os “puros” de Fidel, via “D. Pablo”, o PC Farias, Zé Dirceu, o homem da Inteligência cubana (DGI), utilizando os serviços de Waldomiro Diniz, articulava, dentro da “conjuntura tática” do PT, o esquema do impeachment, escorado no eficiente biombo do “Movimento pela Ética na Política”.
Algum tempo depois, já escorraçado do poder pela impostura dos “caras pintadas” e outras armações petistas, Collor, para não perder a pose, foi a Cuba em viagem de férias e procurou o Comandante, a quem outrora tratara a pires de leite. Diz a imprensa da época que Fidel evitou recebê-lo, limitando-se a ceder uma das suas casas na praia de Varadero, uma “cortesia” de rotina que o tirano oferece para se safar de aliados sem mais serventia.
Quanto a mim, daquela época guardo comigo um gesto de auto-estima do qual me orgulho até hoje. Depois de escrever alguns artigos duros contra a tirania de Castro em Cuba, no “Estadão”, me vi nomeado por Collor Secretário Nacional da Cultura. Justamente por isso, depois do almoço oferecido aos representantes estrangeiros, no dia da posse, aproximou-se de mim Ítalo Zappa, o “embaixador vermelho”, propondo me apresentar ao “Comandante” - já grisalho, embranquecido e sardento. O tirano estava bem próximo, mas recusei a apresentação. E fui direto: - Está de porre, Zappa! Nem morto. Procure o Chiarelli (Carlos) ou o Alceni (Guerra), eu não.
E sai de perto, ciente de que tinha feito a coisa certa.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/17/2006 01:25:00 AM      |