Por Olavo de Carvalho, filósofo em Mídia sem Máscara Circula pela internet – e acabo de receber de um amigo – uma lista dos crimes que envolvem de algum modo o PT e o sr. presidente da República. São 190. Cento e noventa. Com um curriculum delinqüencial trinta vezes menor, Fernando Collor já estava no olho da rua, com a família em frangalhos, odiado pela população, humilhado pela mídia. A diferença ostensiva de tratamento, amostra singela da guerra assimétrica em escala local, é a prova mais evidente de que a "grande mídia" brasileira perdeu os últimos escrúpulos de veracidade e já não tenta nem mesmo fingir equilíbrio, imparcialidade, senso de justiça. Mesmo depois de absolvido pela Justiça, anos após o seu impeachment, Collor continuou sendo tratado como um delinqüente, um inimigo da pátria, um réprobo. O sr. Luís Inácio, mesmo quando confessa abertamente seus crimes, ainda merece o respeito, a confiança e o carinho de todos. Entre os formadores de opinião, mesmo aqueles que dizem fazer oposição ao establishment petista têm o raciocínio travado por um preconceito, um bloqueio íntimo, uma proibição absoluta de pensar mal da esquerda, do partido governante e sobretudo do sr. presidente da República.
O sintoma mais alarmante desse preconceito é que a própria lista mencionada acima, por mais impressionante que seja, não inclui o maior delito de todos, a fundação do Foro de São Paulo, gigantesca societas sceleris em que os grupos criminosos entram com o dinheiro do narcotráfico e dos seqüestros enquanto os partidos oficiais lhes oferecem a proteção de que precisam para circular pelo continente sem o menor risco de prisão, exceto na Colômbia, o último país da América Latina onde ainda existem leis. O motivo dessa omissão é auto-evidente: a revolução cultural gramsciana foi tão bem sucedida que já não há outro critério de julgamento a que se possa apelar senão o conjunto de chavões esquerdistas que se impôs como eficiente Ersatz de moralidade. Por mais que a elite esquerdista se esmere em delinqüir, em mentir, em roubar, em matar, o máximo que se ousa fazer contra ela é acusá-la de ser infiel a seus belos ideais. O dogma da pureza de intenções tem de ser preservado a todo preço, mesmo diante das evidências incontestáveis de maquiavelismo cínico, de total ausência de sentimentos morais. Se até os inimigos do governo se apegam a essa última ilusão, é porque sentem que, se desistirem dela, o chão se abrirá sob os seus pés. Mas o chão já está aberto. Se ainda bóiam sobre o abismo, numa redoma de sonhos, é pela força dos vapores infernais que sobem do fundo. Isto não é um floreio de linguagem. É a fórmula exata de uma equação política na qual o anseio de fingir confiança na estabilidade de instituições extintas, assumindo a forma paradoxal de um culto ao governante que as destrói, só ajuda a destruir ainda mais rapidamente o que resta delas. Também não uso a palavra "paradoxo" a esmo. A lógica paradoxal não é uma lógica de maneira alguma, mas é uma psicologia. Ela não apreende os nexos entre proposições, mas as ligações irracionais que o cérebro sonso faz entre semelhanças aparentes. Quem a domina faz do cérebro alheio o que bem entender. Uma de suas aplicações mais notórias é o velho esquema comunista de conquistar o poder absoluto mediante a "pressão de baixo" articulada com a "pressão de cima", aprisionando a vítima numa armadilha de incongruências onde ela se debate em vão, desorientada e inerme. Os acontecimentos da semana passada ilustram isso de maneira exemplar. De um lado, o secretário da segurança pública de São Paulo acusou publicamente o governo federal de fomentar e utilizar a onda de crimes do PCC. O sr. presidente da República, se fosse inocente e honrado, processaria imediatamente o acusador. Mas ele se limita a resmungar, ao mesmo tempo que, oferecendo tropas federais ao governo estadual acossado pela violência, coloca o adversário na posição humilhante de aceitar socorro do bandido, ajudando-o a tirar proveito eleitoral da sua própria perfídia, ou a arcar com as culpas do mal que ele lhe faz. O petismo triunfante nem tem de lutar: basta-lhe deixar que o adversário se estapeie a si próprio. O Brasil tornou-se uma pústula que se acomodou ao estado de pústula e se recusa obstinadamente a estourar. Não cabe nem mesmo ver nisso a derrota do sistema, a fraqueza das instituições. O Brasil só tem uma instituição: a pústula. Ela é o sistema, ela é as instituições. Ela impera, ela manda, ela sobrevive a tudo, alimentando-se gostosamente da sua própria podridão e crescendo sem parar. Uma vitória nada impossível do sr. Alckmin nas eleições pode trazer um alívio temporário, mas esse alívio será inútil se a oposição não o aproveitar para limpar-se da mitologia esquerdista que a paralisa e organizar-se para uma luta ideológica em regra. Fora essa hipótese, na qual não acredito, o futuro está garantido: Todo o poder à pústula!
Editado por Giulio Sanmartini às 8/17/2006 01:16:00 AM |
|