Por Kennedy Alencar na Folha de São Paulo A reforma política tem sido prioridade no discurso dos políticos faz mais de dez anos. Quando o tucano Fernando Henrique Cardoso assumiu o Palácio do Planalto em 1995, ela estava entre os seus principais compromissos. O mesmo prometeu Luiz Inácio Lula da Silva ao subir a rampa do Planalto em 2003. Agora, o tucano Geraldo Alckmin empunha a bandeira. E Lula repete a promessa com uma novidade, a tal Assembléia Constituinte específica para tratar do tema. A declaração de Lula deve ser entendida mais como uma forma de tentar tirar de Alckmin a bandeira da reforma política e menos como uma decisão de levar a cabo uma Assembléia Constituinte se conquistar um segundo mandato. Motivo: é uma idéia infeliz e uma falsa panacéia. E Lula já entendeu isso. O presidente deverá recuar na forma, batendo na tecla de que julga "genial" a idéia de Constituinte, mas que importa mesmo é o conteúdo ("reforma política profunda"). Goste-se dele ou não, cabe ao Congresso Nacional, que discute a reforma política há mais de uma década, votar tal medida se a julgar pertinente. Não há previsão constitucional nem fato político que justifique o casuísmo de uma Assembléia Constituinte. Sua convocação equivaleria a uma declaração de inutilidade dos políticos, abrindo precedente perigoso.
Como a reforma tributária é assunto tão antigo quanto a reforma política, por que não convocar uma Assembléia Constituinte para fazê-la, já que as últimas três legislaturas federais não a aprovaram? Não seria urgente uma reforma da segurança pública feita também por uma Assembléia Constituinte? Ora, cabe ao Poder Legislativo a responsabilidade de votar ou não tais reformas. Realizá-las por assembléias específicas é meio caminho andado para reforçar o equivocado discurso de que o Congresso não serve para nada e deve ser fechado. Com todo respeito a notáveis da área jurídica e a representantes das mais diversas organizações da sociedade civil, pessoas que em tese poderiam compor essas assembléias, é muito melhor que se dediquem a pressionar o Congresso. Quanto a Lula, chefe do Executivo, ele tem o direito de se dizer simpático à proposta e de patrocinar uma manobra diversionista na disputa com Alckmin. No entanto, cometerá um erro e receberá a merecida crítica de que poderá ceder a alguma inspiração chavista num eventual segundo mandato. Nos bastidores, Lula tem dito que não pretende seguir os passos da Venezuela. Mas a percepção pública do que diz e faz um presidente conta tanto na política quanto a versão. CONGRESSO CONSTITUINTE Em 1985, quando acabou oficialmente a ditadura militar de 1964, fazia todo o sentido defender uma Assembléia Nacional Constituinte. Era um momento de ruptura histórica. Em vez da assembléia, optou-se pelo Congresso Constituinte. Ou seja, deputados federais e senadores fariam a nova Carta e não um grupo eleito com essa finalidade específica. A redemocratização justificava uma Constituinte. Hoje, as crises têm de ser resolvidas dentro da atual e benéfica normalidade democrática. Mudança de regra ao gosto do grupo de plantão no poder enfraquece a democracia. Costuma estimular o golpismo. E fazer com que o feitiço se volte contra o feiticeiro. IDÉIA INFELIZ Ao discutir com representantes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) mudanças nas regras das CPIs, Lula avançou o sinal. Na esteira do escândalo do mensalão, a iniciativa mancha a sua biografia e a de seu partido. Lula e o PT são beneficiários históricos das atuais regras das Comissões Parlamentares de Inquérito. NÃO APRENDE Reservadamente, auxiliares de Lula dizem que a proposta de Constituinte foi útil ao eclipsar na mídia parte da repercussão negativa da sugestão de mudança das regras das CPIs, tema discutido em reunião na quarta-feira com ex-presidentes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Palácio do Planalto. Lula encomendou a um grupo de advogados um parecer sobre as regras das CPIs. Recebeu um documento que enxerga "abusos" nas investigações congressuais. Nas discussões internas da cúpula do governo, há unanimidade na defesa futura da restrição às regras das CPIs. Será um erro, mas parece que o governo está mesmo disposto a cometê-lo.
Editado por Giulio Sanmartini às 8/07/2006 01:23:00 AM |
|