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O ENIGMA DA OPINIÃO PÚBLICA
Por José Nivaldo Cordeiro, economista, em Mídia sem Máscara
Gosto dos artigos de Gilberto de Melo Kujawisky e normalmente concordo com suas lúcidas análises. Temos, em comum, a admiração pela filosofia de Ortega y Gasset. Na última quinta feira o Estadão publicou mais um de sua lavra (“A política ficou irrelevante?”, cujo tema foi a entrevista de Francisco de Oliveira, dirigente e ideólogo do PSOL, anteriormente por mim comentada. Kujawisky revelou nesse artigo um ponto de vista que quero aqui analisar. Ele afirmou:
“A medida da política é a opinião pública. Esta é o alimento e a força propulsora da política. Se a opinião pública falha, a política entra em colapso. Ora, a atual irrelevância da política em nosso país se deve, precisamente, à desarticulação da opinião pública. Esta deixou de ser 'pública', vencida pelo corporativismo e pelo particularismo. A opinião pública brasileira é hoje uma colcha de retalhos formada por opiniões parciais e setoriais. A opinião pública nos partidos e no Congresso foi seqüestrada pelos lobbies, pela bancada evangélica, pela bancada ruralista e, fora do Congresso, pelo MST, pela Igreja progressista, pelas ONGs mais atuantes e heterogêneas”.
Não acho que a política tenha entrado em colapso, muito ao contrário. Mostrei no meu comentário anterior que Francisco de Oliveira adotou esse discurso de lamento porque seu ponto de vista é que a política – o Estado ele mesmo – deveria ter completa autonomia decisória em relação aos assuntos sociais, a começar pelos econômicos. O que se vê é que o Estado tem tomado decisões, como sempre o fez, mas respeitando os limites, sejam os da lei da escassez, sejam os acordos internacionais, sejam aqueles oriundos da própria ordem jurídica do país. Ter esses limites não torna a política irrelevante, apenas subjuga-a à razão. O lamentável é que Lula e o PT fizeram isso por mera razão tática, e não por convicção de idéias, deixando o tempo passar para realizar a famosa “acumulação de forças” de que nos fala os manuais de marxismo-leninismo.
O lamento de Francisco de Oliveira é o canto de sereia dos saudosistas da revolução, que acham que a vontade revolucionária pode moldar o Homem e o meio em que está inserido, a própria alma do indivíduo, um eco da filosofia de Rousseau e de Marx, esses perversos engenheiros da alma humana. Francisco de Oliveira vislumbrou que isso é impossível e, ao invés de se conformar com o princípio de realidade e nele de enquadrar, denuncia a situação como se fosse um mal – e o não bem que é. Coisa de sofistas.
Mas Kujawisky levantou um problema adicional, a questão da opinião pública, alegando que a mesma está “desarticulada”. Não vejo assim. As pesquisas de opinião mostram que a maioria está consolidada e apóia Lula e seus correlatos ideológicos do PSOL. Hoje essa esquerda representada por PT e PSOL tem uma folgada maioria para fazer o próximo presidente da República. E que ninguém se engane: em um eventual segundo turno os votos de Heloisa Helena serão integralmente transferidos a Lula. Então não há desarticulação da opinião pública, mas uma consolidação de uma visão de mundo que se cristalizou na estrutura política. O eleitorado brasileiro revelou-se maciçamente de esquerda e apóia as propostas revolucionárias representadas por ambos os partidos.
O ponto essencial é saber se a opinião pública tem plena consciência da opção política que fez. Eu afirmo que não tem, que ela não sabe exatamente aonde o PT quer levar o país e muito menos em que consiste o radicalismo socialista de Heloisa Helena. Talvez nem saiba com nitidez o que significa a implantação do socialismo, embora já sofra na pele as conseqüências dos “avanços” socialistas por aqui, a pletora de regulamentações da vida prática e a exorbitante tributação. Quero dizer que há um processo deliberado de anestesia da opinião pública que tem levado o eleitorado a fazer escolhas políticas contra a sua vocação mais essencial, contra os anseios de liberdade, contra a razão, contra a sensatez, contra seus interesses, colocando em perigo o futuro da Nação. Falo aqui do coroamento da revolução gramsciana que se processou nas últimas décadas, literalmente fabricando – melhor seria dizer “pré-fabricando”, uma opinião pública sob encomenda.
Portanto, Kujawisky está enganado quando diz: “Em conseqüência, a opinião pública no País perdeu sua força de coesão e coação, está dividida, subdividida e desvirtuada em dezenas de ilhotas separadas entre si. E, como a opinião pública não se impõe, o gato e o rato fazem a festa na casa, e a política se esvazia por falta de irrigação vital”. Ora, há uma visível e esmagadora unidade do eleitorado, só que procedente da indústria da mentira política que se instalou no Brasil, nas escolas, na imprensa, nos meios culturais e na estrutura da vida político-partidária. A recente ida de Stedile à Escola Superior de Guerra demonstra que até mesmo os mais conservadores e fechados organismos de Estado, como as Forças Armadas, foram contaminados pela indústria da mentira. O Estado inteiro, salvo pequenas exceções, está tomado pela febre socialista. É essa a fé dominante em nosso meio e enxergo que caminhamos a passos largos para uma conclusão desse processo que, de tão dramática e destrutiva, não ouso aqui externar em palavras em previsão.
O autor conclui: “A opinião pública está para a política assim como o sangue para o organismo. Onde a opinião pública se rarefaz, a política perde sua eficácia e sua razão de ser. É curioso que Oliveira, em nenhum momento fale da opinião pública e sua vinculação com a política. Como também não indica nenhum caminho para restaurar a política institucional. A política não traz a felicidade, mas ela nos pode fazer profundamente infelizes. Um Estado sem controle, divorciado da sociedade, incide na prepotência das leis, dos decretos, dos impostos, da intervenção na vida pessoal do cidadão e nas organizações privadas, transformando a vida num inferno. Por isso temos de proclamar: 'Morreu a política? Viva a política.' Em tempo: não será na imprensa que se refugia o que resta entre nós de opinião pública? A conferir”.
Insisto que a opinião pública não se rarefez, mas foi projetada para assumir essa posição, o que é muito mais grave e muito mais dramático. Um véu encobrindo o discernimento coletivo foi posto nas mentes e, como a Europa dos anos trinta do século passado, a multidão depositou nos líderes da falsificação da alma sua esperança. Anseia pela redenção social e econômica pelos instrumentos socialistas, pelo Estado, dando em troca sua liberdade. O drama aqui é o contrário do que Kujawisky enxerga, que o Estado não está divorciado da sociedade, mas os controladores do Estado, sim. Aqui reside o mal, naqueles que manejam os cordéis. A reeleição de Lula servirá como sinal para a precipitação dos acontecimentos. Quem viver verá.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/07/2006 01:18:00 AM      |