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OS PODERES DO PRESIDENTE
Por Tim Wegenast, cientista político em o Estado de São Paulo
À primeira vista, fica difícil dizer o que os presidentes George W. Bush, Hugo Chávez, Néstor Kirchner, Evo Morales e Luiz Inácio Lula da Silva têm em comum. Abrindo os respectivos periódicos nacionais, porém, essa questão se torna relativamente simples: todos eles acreditam ter sido eleitos democraticamente e, portanto, não precisam submeter-se ao controle parlamentar. Seguindo a mais nova moda latino-americana, os presidentes ampliam os próprios poderes, coíbem a influência dos parlamentos e se esquivam do controle da Justiça - com as inevitáveis conseqüências para a democracia na região.
Desde a sua posse, o presidente norte-americano, por exemplo, já desobedeceu a mais de 750 leis decretadas pelo Congresso, afirmando ter o poder de desconsiderar qualquer estatuto que contrarie a sua interpretação da Constituição. Com isso Bush acrescentou os chamados signing statements a mais projetos de lei aprovados pelo Congresso do que todos os outros presidentes norte-americanos juntos.
Há poucos dias, o presidente argentino, Néstor Kirchner, conseguiu que o Congresso aprovasse uma lei que lhe confere o direito permanente de modificar a composição do orçamento nacional sem consultar os legisladores. Poucas semanas antes, havia alcançado reformas no Conselho da Magistratura, órgão responsável pela nomeação de juízes, que lhe concederam pleno controle sobre o Judiciário. Em posse de superpoderes, a reeleição de Kirchner parece apenas uma formalidade. Para uma listagem completa dos abusos de poder durante os governos Chávez e Morales seria necessária uma edição inteira deste jornal.
Essa nova tendência não passou despercebida pelo Palácio do Planalto. Embora mais brando que seus colegas, o presidente Lula parece superestimar os seus poderes, vendo-se no direito de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte específica para a reforma do sistema político. De acordo com a Constituição, porém, o presidente da República não está autorizado a fazê-lo. Portanto, é injustificável a pretensão de Lula de convocar uma Constituinte exclusiva para votar uma reforma que, entre outras coisas, precisa restabelecer o equilíbrio entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Entre as competências dos presidentes latino-americanos estão o poder de veto legislativo parcial ou total, a capacidade de iniciar certos tipos de legislação (moldando ou até mesmo definindo a agenda do Congresso) e a possibilidade de legislar por meio de medidas provisórias. Estas são fundamentais para evitar um possível imobilismo político, que é uma freqüente crítica aos sistemas presidencialistas. Podendo o presidente governar sem o apoio de uma maioria parlamentar, é preciso impedir uma situação de deadlock, em que o Executivo e o Congresso se bloqueiam mutuamente.
Esses mesmos poderes constitucionais que visam a garantir o funcionamento do processo legislativo também aumentam a possibilidade de arbítrio político e abuso de poder. Por essa razão, vive-se o dilema expresso, por um lado, pela necessidade de um Executivo forte e estável e, por outro, por uma latente desconfiança perante os poderes presidenciais. Os famosos checks and balances são uma tentativa de solucionar esse tipo de dilema.
Infelizmente, a crescente concentração de poderes constitucionais nas mãos dos presidentes deturpa o equilíbrio entre os três Poderes do Estado, distorcendo o sistema de freios e contrapesos a favor do Executivo. Líderes de governo, que em sistemas presidencialistas já não dependem do apoio parlamentar para sobreviver politicamente, se livram completamente das algemas do Congresso e agem de livre e espontânea vontade. Por fim, a população se vê à mercê de governantes populistas dispostos a dificultar eleições livres e democráticas, como no atual caso venezuelano. Além disso, o governo torna-se mais suscetível à corrupção, uma vez que um Executivo todo-poderoso dispõe de mais meios para facilitar “troca de favores”, como nos demonstra o esquema dos sanguessugas. Votando a favor dos interesses do Executivo, parlamentares conseguiam ter suas emendas liberadas mais rapidamente e com menos cortes.
Há pouco Fernando Henrique Cardoso se pronunciou, neste jornal, a favor de reformas das instituições partidárias, o que me parece bastante sensato e estritamente necessário. Diferentemente de Cardoso, porém, não considero o sistema parlamentar a solução adequada para as mazelas institucionais latino-americanas. Fundamental para o funcionamento do parlamentarismo é um sistema de partidos estáveis e coesivos com disciplina partidária, algo muito aquém da realidade política no continente. Mais do que tudo, precisa-se alterar o desenho institucional presidencialista de modo a aumentar a estabilidade e eficácia política e, ao mesmo tempo, garantir a vigilância mútua entre os três Poderes.
A introdução da cláusula de barreira foi um primeiro passo nessa direção, já que diminuirá o número de partidos no Congresso Nacional, reduzindo o risco de imobilismo político. A possibilidade da utilização de referendos para convocar novas eleições ajudaria a restringir o comportamento dos presidentes, aumentando a conexão entre o eleitorado e seus representantes. A opção por listas eleitorais fechadas seria igualmente desejável, uma vez que listas abertas forçam a competição entre correligionários da mesma chapa, criando partidos fracos, com pouca fidelidade e coesão interna. Seguramente, mais reformas institucionais serão necessárias para impedir a supremacia do Executivo e garantir a eficiência legislativa. A nós resta apelar para a boa vontade política dos superpresidentes.


Editado por Giulio Sanmartini   às   8/16/2006 04:35:00 AM      |