Editorial em O Estado de São Paulo O Brasil está a léguas de distância das condições que em décadas passadas permitiam aos políticos quebrar o Estado para eleger os seus sucessores, como teria se vangloriado um governador que fez exatamente isso (e agora brinca de concorrer de novo ao mesmo cargo). Ainda assim, seria imprudente, para dizer o mínimo, não dar a devida importância aos riscos a que as finanças nacionais parecem cada vez mais expostas com a gastança a que se entregou com incontido entusiasmo o governo Lula para eleger o sucessor do presidente - ele próprio, naturalmente.Decerto não tantas vezes quantas se proclamou o redentor dos brasileiros, abraçado ao bordão "nunca antes na história deste País...", mas não foram poucas as ocasiões em que Lula louvou as virtudes da temperança e da responsabilidade no manejo das contas governamentais, recorrendo à clássica e, no caso, apropriada comparação com a dona de casa que não gasta além do que tem. Mas as ações concretas da administração federal no segundo trimestre deste ano reeleitoral, traduzidas nos dados mais recentes sobre o balanço de ingressos e dispêndios do governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central), sugerem que o presidente mandou a sua equipe esquecer o que ele repetia com aparente convicção.Devido ao relaxamento dos cordões da bolsa à medida que avança a contagem regressiva para o pleito de 1º de outubro, o resultado financeiro do primeiro semestre, em comparação com igual período de 2005, mostra que o gasto cresceu 3 pontos porcentuais acima das receitas (14% ante 11%). A discrepância não seria alarmante se a expansão dos dispêndios se devesse ao incremento dos investimentos federais na dilapidada infra-estrutura física nacional, crônico ingrediente do "custo Brasil" que obriga a economia a caminhar calçando botas de chumbo; tampouco seria alarmante se a carga tributária já não estivesse na estratosfera - equivalendo a R$ 4 de cada R$ 10 da riqueza gerada pela sociedade. Mas, quando se tem num prato da balança o fato de que o grosso do gasto do governo é improdutivo e, no outro, que a carga tributária não pode crescer indefinidamente, mesmo com a arrecadação maior proporcionada pelo aquecimento da economia formal, as contas não fecham. Ou, nas palavras do secretário do Tesouro, Carlos Kawall, "a tendência de o crescimento da despesa ser maior que o da receita não é coerente com a meta fixada para o superávit primário" de 4,25% do PIB. A economia alcançada caiu dos 4,18% dos 6 meses iniciais de 2005 para 3,87% agora. Kawall diz que o governo não está obrigado a alcançar a meta mês a mês, desde que o faça no exercício. É mais complicado do que isso, porém.Quando o que empurra o gasto para cima são as chamadas despesas correntes - com pessoal e custeio da máquina -, como acontece agora, cria-se um problema que se perpetua por si mesmo. Salários simplesmente não podem ser reduzidos, sejam espúrios ou legítimos os motivos que levaram o patrão estatal a elevá-los acima da inflação, esperando a contrapartida nas urnas. O pior é que há no ar algo além do espectro de um retrocesso na política de austeridade fiscal por conta da reeleição. Começa a tomar forma, na hipótese de que Lula consiga o que almeja desde o primeiro dia no Planalto, uma ameaça ao pilar que mais contribuiu para manter em pé o edifício econômico-financeiro nestes quatro anos.Trata-se das pressões, crescentemente desenvoltas, contra o instituto que tornou possível a manutenção de política monetária extraordinariamente bem-sucedida - a autonomia de facto de que goza o Banco Central. O presidente pode se congratular pelo bom senso que o desestimulou a interferir nos rumos dessa política, sob a gestão do ministro Henrique Meirelles. Ao seu resultado - a doma da inflação - Lula poderá creditar, mais até do que ao Bolsa-Família, a parte do leão dos votos que as pesquisas dizem que terá. Eis que, provavelmente sintoma de um mal mais disseminado, um grupo de economistas ideólogos do nacional-desenvolvimentismo acaba de divulgar uma carta a ser entregue a todos os presidenciáveis propondo "uma agenda para além da estabilidade". Entre outros despropósitos, as decisões da Autoridade Monetária ficariam subordinadas aos interesses políticos dos poderosos de turno. Não está claro se Lula, caso se reeleja, embarcaria nessa aventura. Mas a gastança atual e o perigo de marcha a ré no futuro são de tirar o sono.
Editado por Giulio Sanmartini às 7/27/2006 08:59:00 AM |
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