Por Sebastião Nery
Quando o presidente da Câmara, Flavio Marcilio, do PDS do Ceará, declarou aberta a primeira sessão ordinária de 83, dia 2 de março (tinha sido reeleito na sessão preparatória de 16 de fevereiro), ele pediu a palavra. Muito alto e barbudo, 30 anos, estava há bastante tempo ali, de pé, de plantão, junto ao microfone, com um belíssimo capitulo da história do Brasil no bolso. Ele adivinhava e por isso mal disfarçava a agitação e o nervosismo. Foi o primeiro a pedir a palavra. E leu uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional): "Dispõe sobre a eleição direta para presidente e vice-presidente da República". Tinha o apoio de 176 deputados e 23 senadores. Quase ninguém percebeu. Mesmo muitos dos que haviam assinado. A grande imprensa, como sempre, só tomando conhecimento do que sai do palácio do Planalto, não deu importância. Dia seguinte, 3 de março, apenas "O Globo" registrou, em poucas linhas: "Proposta ganha 199 assinaturas". DANTE Não era um improviso. O saudoso Dante Oliveira, que tão de repente e tão inexplicavelmente morreu aos 54 anos, em Cuiabá, no fim da semana, sabia o que estava fazendo. Depois de estudar Engenharia na UFRJ, no Rio, participar da resistência à ditadura no MR-8, elegeu-se deputado estadual em 78 e, em 82, deputado federal também pelo PMDB de Mato Grosso. Desde janeiro, antes mesmo de assumir, ele tinha pesquisado tudo nos arquivos e bibliotecas do Senado e da Câmara, onde o encontrei, quando também preparava minha Emenda sobre o fim da Lei de Segurança Nacional. Ele descobriu que não havia mais nada no Congresso sobre eleições diretas para Presidente. No Senado, as emendas de Marcos Freire (PMDB-PE) e Orestes Quércia (PMDB-SP) tinham sido arquivadas. Na Câmara, as de Theodoro Mendes (PMDB-SP) e outros, também. E não haviam sido reapresentadas. O caminho estava livre. Faltava a gincana dos primeiros dias. LEONELLI "É um mosquito elétrico", dizia Ulysses Guimarães, presidente do PMDB. Fernando Lyra (PMDB-PE), o segundo a assinar, lembra-se bem: "Foi sorte e preparo físico. Nunca vi ninguém correr tanto e tão rapidamente naquele Congresso, atrás de assinaturas, como aquele magro". Até o querido e veterano jornalista Flamarion Mosri, pensando que era um manifesto, também assinou. E começou a batalha para transformar aquelas folhas de papel em História. Entra o deputado Domingos Leonelli (PMDB-BA) Não perderam um dia. Publicada a emenda no Diário do Congresso e a notícia, embora mínima, no "Globo", dia 4 houve a primeira reunião da bancada do PMDB naquela Legislatura. O líder Freitas Nobre (SP), avisado e conivente, deu a palavra a Leonelli, para propor a mobilização do partido: "Gaguejei um pouco mais que o normal. Recordo-me de alguns sinais de aprovação, outros de impaciência, pelo assunto e pelo orador. Dei o recado". Feitas Nobre nomeou uma comissão (Dante, Leonelli, Carlos Mosconi (MG), Roberto Freire (PE), Flavio Bierrenbach (SP) e Ibsen Pinheiro (RS)) "para coordenarem esse esforço e elaborarem um plano de mobilização". DIRETAS-JÁ Dia 5 de abril, a Executiva Nacional do PMDB aprovou a campanha e mandou para o Diretório Nacional, que se reuniu no dia 14. Na mesa, o presidente Ulysses, o vice Teotônio Vilela (AL), o secretário-geral Francisco Pinto e os líderes no Senado e na Câmara. E aprovaram o documento "Por um Governo Nacional Nascido de Eleições Diretas". O resto é a História, a maior e mais ampla mobilização popular do País. No dia 25 de abril de 84, faltaram 22 votos para as Diretas-Já serem aprovadas. Mas a ditadura começava a ir embora ali. Em 15 de janeiro de 85, Tancredo derrotava Maluf, o governo e o regime no Colégio Eleitoral. A morte de Dante fez a imprensa voltar às Diretas-Já e, como sempre, muita bobagem. Deviam ler "Diretas-Já - 15 meses que abalaram a ditadura", de Domingos Leonelli e Dante de Oliveira (Editora Record - Rio).
Editado por Adriana às 7/11/2006 09:43:00 AM |
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