por Merval Pereira em O Globo A defesa da ética, que já foi uma bandeira que diferenciava a atuação dos petistas na política, depois que se revelou apenas retórica eleitoral passou também a ter, por parte dos “pensadores” do partido, uma interpretação toda própria, como parece ser toda pessoal a ética do próprio presidente da República, que considera não apenas aceitável ser desinformado sobre questões cruciais que atingiram toda a estrutura de seu governo, como insiste em repetir os mesmos erros que geraram os fatos delituosos que finge ignorar, como a desafiar a opinião pública. Uma das “promessas” que o PT fez durante os momentos mais agudos da crise política em que se envolveu a administração de Lula foi de que as coordenações das campanhas políticas não seriam mais misturadas com as do PT, para evitar “mal-entendidos”. Essa mistura da contabilidade petista com a da campanha de 2002 teria levado o então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, a exorbitar de suas funções, segundo a versão oficial. Pois muito bem, vem a campanha para a reeleição e o que acontece? O novo tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, vai dividir as funções com o prefeito de Diadema, José de Filippi Júnior, da mesma forma que Delúbio dividia as funções com Antonio Palocci, ex-prefeito de Ribeirão Preto, que substituiu o assassinado prefeito de Santo André Celso Daniel. Filippi Jr. pertence à dinastia petista que vem desde os anos 1990 do século passado ocupando prefeituras do interior, onde nasceu a prática de arrecadação de “dinheiro não contabilizado” para as campanhas petistas, segundo acusações de fundadores do partido como César Benjamim, hoje candidato a vice de Heloísa Helena, e Paulo de Tarso Venceslau. Além desse “pedigree”, Filippi carrega consigo uma outra sina, que parece perseguir os petistas de alto escalão: não tem como explicar o pagamento, com recursos próprios, de uma multa que recebeu por ilícitos eleitorais. Teve que recorrer a um “tio Mário” para justificar a existência do dinheiro, assim como o PT recorreu a Paulo Okamotto para pagar uma dívida de Lula ao partido. Lula, na verdade, nem precisava que um laranja assumisse o débito, se recusou a pagar de pirraça, pois não reconhecia a dívida com o PT. Como demonstrou sua declaração de rendimentos à Justiça Eleitoral, tinha dinheiro mais que suficiente em aplicações financeiras para pagar a dívida e não se meter em encrenca. Mas são apenas os procedimentos que são repetidos, não as formulações. Como, por razões óbvias, não podem repetir o slogan da primeira campanha — “Queremos um país decente” — os petistas entregaram de bandeja o lema à oposição e passaram a refazer seus conceitos sobre ética na política. Até mesmo o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, que à época em que assumiu a presidência do PT pretendeu refundá-lo, afirmando que o que aconteceu foi o uso de uma “ética bolchevique mal digerida”, quando existia “uma ética ‘nossa’ e uma ética ‘deles’, cujos pressupostos não são adaptáveis ao estado democrático de direito“, hoje já procura explicações mais prosaicas para as críticas que o governo sofre. Ele vai desde uma “conspiração da mídia” até uma reação das elites ao que chama de “plebeização” da política, uma política feita para os pobres. Já o ex-ministro Luiz Gushiken saiu de seus cuidados no Núcleo de Assuntos Estratégicos, onde está abrigado das intempéries políticas, para ir à convenção do PT que lançou Lula à reeleição e saiu-se com essa nova interpretação do que seja ética na política: “A ética mais importante para um governante no Brasil é optar pelo povo que tem mais necessidade. Não há na história um governante que se preocupou tanto com o povo mais pobre deste país. Acho que isso é o mais decisivo da política.” Também o ex-assessor especial para assuntos da América Latina, Marco Aurélio Garcia, hoje vice-presidente do PT, reagiu indignado à pergunta sobre se não haveria constrangimento para o presidente Lula com a presença entre os candidatos petistas de todos os que foram acusados de receber o mensalão: “Não aceitamos o conceito de mensalão. Eles vão participar do palanque do presidente como todos os que apóiam a reeleição. O único constrangimento seria se eles não tivessem votos”. Sem constrangimentos éticos, e convencidos de que em busca de votos vale tudo, os petistas caminham para a campanha com bons números na economia que se refletem nas pesquisas eleitorais. Lula continua franco favorito, e pode vencer até mesmo no primeiro turno. Mas tanto o slogan da campanha do tucano Geraldo Alckmin — “Queremos um País Decente” — quanto sua retórica janista de varrer a corrupção do país indicam que a campanha eleitoral do principal candidato da oposição será centrada na questão ética. A subida de Alckmin nas pesquisas, depois de um bombardeio televisivo, pode indicar que a opinião pública não é tão avessa assim a esse apelo. Resta saber se ele tem mais peso eleitoral do que os bons resultados da economia que, mesmo temporariamente, estão melhorando a vida dos eleitores mais pobres.
Editado por Giulio Sanmartini às 7/11/2006 07:39:00 AM |
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