Entrevistas
Arthur Virgílio
Gerson Camata
Júlio Campos
Roberto Romano - 1ª parte
Roberto Romano - 2ª parte
Eluise Dorileo Guedes
Eduardo Mahon
p&p recomenda
Textos recentes
Arquivo p&p
  
DERROTA DO FAZ DE CONTA
por Mauro Chaves em O Estado de São Paulo
Nunca uma seleção representou tanto o momento do Brasil como esta do Parreira. Com soberba desproporcional à sua capacidade funcional, sentindo-se desobrigada de exibir as hipotéticas qualidades a si mesma atribuídas, montada em cima do puro marketing, da meia-lógica sem substância, investindo no que julgava ser um irresistível carisma, tentando "faturar" conquistas do passado, como se do presente (e dela) fossem, com seus integrantes ganhando muito "por fora" (em contratos milionários de publicidade que lembram quem?), esparramando desculpas esfarrapadas ao negar as próprias falhas, como se tentasse levar ao pódio o próprio fracasso, a seleção do "Barreira" foi a autêntica expressão do faz-de-conta, do "como se fosse", da impostura geral que envolve o poder num manto de fingimento, sem conseguir disfarçar sua falta de fibra, de coragem, de raça. Em matéria de pretensão megalomaníaca extrapolou as medidas, ao fazer colocar no ônibus embandeirado que a transportava pela Alemanha, com a devida versão em inglês, a ridícula frase: "Veículo monitorado por 180 milhões de corações brasileiros."
O Brasil jogou sem conhecimento, sem plano, sem treino, sem estratégia, sem tática, sem jogada ensaiada, sem estudo do adversário, sem esforço de aprendizado, sem sistema de marcação, sem garra, sem vontade, sem orgulho, sem vergonha. Não caiu de pé, depois de uma luta renhida, nem foi injustiçado pela arbitragem, como Portugal, diante da mesma seleção adversária. Caiu de cócoras. E, indo muito além do que seria o espírito esportivo, alguns de nossos jogadores, após a derrota, cumprimentavam os vencedores com uma euforia que mais parecia um agradecimento, batendo as palmas das duas mãos contra as deles, num gesto de cumplicidade. Parecia que o que lhes importava, muito mais do que a torcida do Brasil, era o fato de pertencerem à mesma turma de craques dos times europeus - da mesma forma que ao governo brasileiro, depois da humilhação que nos foi imposta por Evo Morales e seu guru Hugo Chávez, importa mais a alegre e afetuosa submissão a nuestros hermanos del (fracasado) Mercosur.
Não há como negar o fato de Luiz Inácio Lula da Silva ter sido o presidente da República que mais explorou a paixão brasileira pelo futebol - a ponto de quase não haver falas suas sem metáforas futebolísticas - e mais se envolveu com a seleção, numa Copa do Mundo, desde os temos em que o general-presidente Emílio Garrastazu Médici, no auge da ditadura militar, portava seu radinho de pilha encostado no ouvido, dava conselhos de escalação ao técnico, adivinhava resultados de jogos e era aplaudido nos estádios, por essa tão popular afinidade - insuflada pelo terrível slogan "ame-o ou deixe-o".
Depois da desastrada videoconferência em que tentou associar fortemente sua imagem à seleção, mas ao ter se referido à gordura de Ronaldo deu margem a que o jogador lhe desse um também indelicado troco, mencionando seu suposto hábito de beber em excesso, o presidente certamente foi aconselhado por seus assessores a manter uma certa distância da seleção, pelo menos até vê-la bem-sucedida. A videoconferência não deu certo, não só pela repercussão da polêmica calórico-alcoólica tida com Ronaldo Fenômeno, mas de outros conselhos infelizes dados ao treinador, tal como aquele de mandar o Ronaldinho Gaúcho "não fazer cara feia, como se quisesse matar o adversário", mas manter o habitual sorriso em suas cobranças de faltas, o que mereceu de Parreira a resposta: "Esse conselho eu não posso dar, presidente, porque para bater falta ele precisa estar focado, concentrado. Sorrisos e brincadeiras são para os treinos."
Por falar em Ronaldinho Gaúcho, o presidente Lula fez a associação mais absurda já ouvida de um homem público, ao comparar o jogador a nada menos que a Petrobrás. Arre! Agora, alguém duvidará do tamanho do estardalhaço que o presidente-candidato haveria de fazer, em festas e recepções apoteóticas, talvez nas cidades de cada um dos jogadores da seleção (titulares e reservas), se esta nos trouxesse o hexa? É claro que nada mais justo seria o chefe de Estado e de governo brasileiro oferecer tais homenagens aos patrícios que teriam conquistado o maior troféu internacional de futebol do mundo. E isso, decerto, não criaria problemas com a Justiça Eleitoral, pois não significaria inauguração alguma - no máximo, haveria de ser uma inspeção, ou vistoria, feita pelo presidente em seu trabalho rotineiro, quem sabe para comprovar o controle de calorias na dieta alimentar de nossos craques.
Não há como deixar de associar o conceito de "quadrado mágico" à estruturação primordial de um governo que, inicialmente, concentrou em quatro figuras fundamentais, basilares, toda a sua estratégia político-administrativa, econômica e comunicológica. Realmente, foi no quadrado Lula-Dirceu-Duda-Palocci que se montou um projeto de poder de longo alcance, destinado a deitar raízes sólidas em todo o território nacional. Mas o quadrado não deu certo e não se treinaram, no devido tempo, alternativas para sua imprescindível substituição. De qualquer forma, a derrota do faz-de-conta pode significar uma tomada de consciência que conduza à reversão de expectativas: do futebol à ética na política.
P. S. 1 - Será que ninguém entendeu? Parreira dá uva, uva dá vinho e vinho é com os franceses mesmo.
P. S. 2 - Está certo que o Hino Nacional é difícil de decorar. Mas também não precisava disfarçar, lambendo os beiços.
P. S. 3 - Já se podem ver, em São Paulo, carros circulando com o adesivo: "Lula é um pé-frio (13 letras)."


Editado por Giulio Sanmartini   às   7/08/2006 06:08:00 PM      |