(este texto é a complementação de outro com o mesmo nome, publicado aqui na madrugada do dia 07) Por Adriana Vandoni
Suas palavras atravessaram a chuva, a escuridão e lançaram a esperança na conquista da liberdade nos corações brasileiros.
Desde que me entendo por gente já ouvia falar o seu nome. E quem aqui não sabia quem era Dante, filho de D. Maria e do Dr. Paraná? Na provinciana Cuiabá, desde criança ouvia os causos que soavam aos meus ouvidos como verdadeiras cruzadas. E eram. Acostumei-me a vê-lo como um mito, que não recuava nem quando lhe faltava um palanque, subia em um caixote de madeira e discursava para quem quisesse ouvir. Isso em um período em que a palavra falada e escrita era limitada e vigiada, quando as pessoas tinham sede de ouvir e Dante tinha sede e coragem de falar. Foi, provavelmente, movido por essa sede de liberdade, que em 1983 ele apresentou projeto de emenda constitucional que levou milhões de brasileiros às ruas para resgatar o direito de decidir diretamente quem nos governaria. O Brasil estava amordaçado há anos. Tinham nos privado da democracia de uma forma tão rude, que acabamos nos esquecendo da possibilidade de cidadania. Dante, então, assumiu o papel de porta-voz do cidadão em busca da democracia. Chegou à Câmara e ousou querer mudar as regras estabelecidas. Teve a audácia de acreditar que podia. Obstinado, surpreendeu os mais velhos e passou os dois primeiros meses do seu primeiro mandato colhendo assinaturas para sua emenda. E viu que podia, mesmo sendo “um guri como eu”, como disse anos depois. Foi nesse momento que aquele meu mito de Cuiabá, com pouco mais de 30 anos de idade, se tornou cidadão do Brasil, não mais do caixote de madeira, mas dos palanques da vida. Falava não mais para quem estivesse passando, mas para multidões que se reuniam para escutá-lo. Daí pra frente sua trajetória foi triunfante, vertiginosa e na medida em que se tornava a personificação do poder, para mim sua imagem se tornava mais humana, passível de acertos e de erros, mas indiscutivelmente, um Líder. Independente se oposição ou não a ele, a sua Liderança era reconhecida. Ele sabia se impor, mesmo quando se calava. Depois de pouco mais duas décadas no centro do poder, por um erro estratégico perdeu a última eleição. Claro que cometeu erros durante seus mandatos, alguns graves. Mas cometeu acertos indiscutíveis que proporcionaram ao seu sucessor a tranqüilidade de governar. Cometeu acertos que a história saberá dar valor. Os últimos quatro anos da sua vida, Dante passou tendo a sua imagem desconstruída pelos atuais ocupantes do governo que se empenharam em um jogo político de destruir o adversário. Talvez por subestimarem a importância do papel de Dante no cotidiano do brasileiro. Talvez, por não terem vivido a ditadura ou dela terem se beneficiado, ou simplesmente por lhes faltar a Liderança de fato. Menosprezaram a história de um Líder e tentaram trancafiá-la em uma “caixa-preta”. Dante permaneceu todo esse tempo quieto, sem espaço, “sem Tribuna pra me defender”, como ele falava. Passei a ter um contato maior com ele a partir desse momento quando, na contramão da maioria que se escafedia, me filiei ao seu partido e participei das negociações para as próximas eleições. Conheci um Dante sem poder, mas um Líder, porque a sua Liderança vinha de sua aura e não do poder formal. Tinha visto de longe do seu convívio, os desacertos cometidos no passado e os questionava com ele. Tivemos oportunidade de debater e discutir o que eu julgava falha, algumas ele aceitava, mas quando se via com a razão, era irresistivelmente convencedor. Mas em momento algum as concordâncias ou discordâncias políticas me fizeram esquecer que se tratava daquele timoneiro Dante de Oliveira, pelo contrário, me reafirmavam que sua Liderança tinha razão de ser. Aquele era o Dante das Diretas, maior que Cuiabá, maior que Mato Grosso. Convivi com o Dante brincalhão, moleque, afetuoso e provocador, o Dante com quem me encontrava quase todos os dias de manhã na padaria da esquina e que quase todos os dias me fazia uma provocação. Era uma pessoa alegre, carismática e desejosa de resgatar a sua história, mas lhe faltava a Tribuna. Precisava falar. Foi-se antes de conquistar a oportunidade que lhe conferiria o direito de resgatar sua biografia, entulhada mesquinhamente em uma tal “caixa-preta”. Sua figura, postura e tom de voz eram tão fortes que chega a ser difícil acreditá-lo consumido por algumas bactérias que devastaram seu corpo tão avassaladoramente. Vê-lo ali deitado, foi como ver um gigante tombado. Dante se foi, mas sua maior obra, o resgate da Democracia, ficará sob nossa responsabilidade. Sua voz se calou definitivamente, mas suas palavras atravessaram a chuva, a escuridão e lançaram a esperança na conquista da liberdade nos corações brasileiros, e sua obra ficará como papel grandioso e relevante na história do Brasil. Sua partida repentina e abrupta nos faz refletir que não é apenas o poder que é efêmero. A vida é assustadoramente efêmera.
Editado por Adriana às 7/08/2006 02:09:00 PM |
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