editorial em O Estado de São Paulo Nesse caso pelo menos, o presidente Lula cumpriu o prometido com uma pontualidade exemplar - na expectativa de que, pelo exemplo, receberá também, nos prazos previstos e por inteiro, a contrapartida que é a razão de ser de sua promessa. Trata-se, naturalmente, de uma transação. A primeira etapa do negócio foi definir a posição do PMDB na sucessão presidencial. Para exorcizar o espectro que rondava o plano da reeleição já no primeiro turno - o lançamento de um candidato peemedebista -, o Planalto não se limitou a declarar que abriria aos arquitetos da desistência os setores da administração federal direta e indireta de seu interesse. Comprometeu-se a entregar o que pedissem em regime de porteira fechada. No novo sistema verticalizado, o eufemismo ao gosto do PMDB governista, o partido não entra apenas com o ministro (ou o presidente da estatal) enquanto o segundo escalão é sublocado a outras siglas. Quase quatro anos depois que o então futuro ministro José Dirceu não conseguiu persuadir Lula a subir a rampa em companhia do PMDB, ele deve ter dito aos seus felpudos parceiros - o ex-presidente José Sarney, o presidente do Senado Renan Calheiros, os ex-ministros Romero Jucá e Eunício de Oliveira, além do notório senador Ney Suassuna - que daqui para a frente tudo será diferente. E começou a honrar a palavra. Asfixiada a idéia da candidatura própria, o presidente quitou - adiantada - a primeira prestação de seu arranjo com o PMDB, entregando aos controladores da franquia em que de há muito se converteu o outrora partido da redemocratização do Brasil a presidência dos Correios e, por enquanto, 3 das suas 6 diretorias. Haja simbolismo. São os mesmos Correios em cuja sede uma câmara oculta filmou o pagamento de uma propina de R$ 3 mil a um apadrinhado do então deputado e presidente petebista Roberto Jefferson, em maio do ano passado. Era a gênese do escândalo do mensalão, revelado pelo vingativo parlamentar. À época, os postos-chave da estatal de 110 mil funcionários e R$ 9 bilhões de faturamento anual estavam divididos entre o PMDB, o PTB, com alguns nichos petistas.
Transformada agora em feudo de um único suserano, fica aparentemente reduzido o risco de que ressentimentos pessoais e políticos contribuam para trazer à tona eventuais ilícitos muito mais pesados do que o suborno miúdo mostrado na TV, na linha daqueles a que o próprio Jefferson se referiu seguidas vezes quando estava empenhado em destruir o ainda ministro Dirceu. Diga-se desde logo que os indicados pelos caciques do PMDB parecem ser técnicos experientes. O novo presidente dos Correios, Carlos Henrique Almeida Custódio, é pós-graduado em administração de empresas, com 15 anos de Caixa Econômica Federal no currículo. Nada, à primeira vista, consta contra ele e os futuros diretores escolhidos. Seria uma maravilha se se pudesse dizer o mesmo de todos os que os escolheram.
Cumprida a etapa inaugural do, digamos, acordo de cavalheiros, o movimento seguinte é do PMDB. Já na segunda-feira, Sarney, Renan e companhia levarão a Lula pelo menos 16 dos 21 presidentes de diretórios regionais da legenda. O encontro será à noite, no Palácio da Alvorada ou na Granja do Torto, para que não se diga que o chefe do governo confunde trabalho com aliciamento em tempos de campanha. Ali será crismado o Movimento Pró-Lula. (Ou, não seria impróprio abreviar, o Pró-Lula.) Será o início de uma ofensiva para engatar a caciquia regional peemedebista no comboio da reeleição, mesmo onde PT e PMDB disputarão, cada qual de seu lado, os governos estaduais.
Se Lula se reeleger, o que hoje resta do PMDB oposicionista mudará de idéia com a rapidez a que está habituada a maioria dos seus expoentes, nas circunstâncias certas, consumando-se o casamento de conveniência em que o partido entra com apoio eleitoral antes e apoio parlamentar depois, e o presidente entra com cargos. Um dos ministérios cuja outorga representará a paga final pelo anunciado governo de coalizão será a Previdência - coisa para profissionais. "Com o ministério entregue inteiramente ao partido, os dirigentes (do partido) terão um compromisso com o presidente de só indicar pessoas sérias, que não darão problemas", assegura o ex-ministro do setor e líder do governo no Senado, Romero Jucá. Em abril de 2005, ele deixou a pasta ao se divulgar o seu alegado envolvimento num empréstimo bancário irregular a uma empresa de que tinha sido dono.
Editado por Giulio Sanmartini às 7/08/2006 01:21:00 PM |
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