Por Carlos Alberto Di Franco em O Estado de São Paulo Três rompantes de autoritarismo, graves e preocupantes, marcaram a semana pós-eleição. O primeiro foi protagonizado por militantes petistas que se reuniram para receber o presidente Lula no Palácio da Alvorada e na Base Aérea de Brasília. Eufóricos, mas nada democráticos, hostilizaram a imprensa por suposta cobertura tendenciosa durante a campanha eleitoral. Segundo informações, parte dos militantes era gente com cargo comissionado no governo, alguns usavam até crachá funcional. Os petistas e servidores mais exaltados diziam ter saudade do regime militar. “Prefiro a ditadura, vamos fechar todos os jornais”, disse um militante. “Se perguntarem sobre dossiê, vão levar um dossiê na cara.” Outro militante do partido avisou: “Nada de pergunta sobre mensalão.”
Depois, durante entrevista coletiva do presidente interino do PT, Marco Aurélio Garcia, os jornalistas voltaram a ser hostilizados. Garcia ensaiou uma crítica pífia e puramente formal ao comportamento dos militantes. Mas, ao mesmo tempo, aproveitou a oportunidade para concitar os jornalistas a fazer uma “auto-reflexão” sobre “o papel que tiveram nesta campanha eleitoral”, pretendendo, em última instância, que os profissionais e os veículos de comunicação se retratassem e pedissem desculpas pelas informações que transmitiram sobre o governo e seus “erros”. Para Garcia, por incrível que pareça, a imprensa deve passar a considerar o mensalão como pura invenção, uma obra de ficção. Joguem-se ao mar as palavras do procurador-geral da República, homem sério e nomeado pelo presidente Lula. Como se sabe, o procurador-geral fez constar em seu relatório, expressamente, que uma sofisticada quadrilha, integrada por membros da cúpula do governo e do PT, agia em plano federal com o objetivo de “garantir a continuidade do projeto de poder do Partido dos Trabalhadores mediante a compra de suporte político de outros partidos”. Invenção da imprensa? Ora, o brasileiro não é idiota. Em Curitiba, a primeira entrevista coletiva de Roberto Requião como governador reeleito do Paraná foi marcada por ataques à imprensa do Estado e do País. Requião afirmou que quase foi derrotado pelo candidato Osmar Dias por culpa dos meios de comunicação. “Houve um bombardeio contra a imagem pessoal do governador, com a colaboração da Rede Paranaense de Comunicação (RPC, jornal Gazeta do Povo e a retransmissora da Globo), dos jornalões, da CBN”, disse. O governador Requião gostaria de contar com uma mídia simpática e oficialista. Aliado de Lula, também é incapaz de entender o necessário papel fiscalizador da mídia. O terceiro surto foi ainda mais chocante. Refiro-me à vexatória tentativa de intimidar três jornalistas da revista Veja, no momento em que prestavam depoimento à Polícia Federal (PF). A Polícia Federal “republicana”, do ministro Márcio Thomaz Bastos, que nada tem que ver com a verdadeira PF, integrada por inúmeros homens de bem e profissionais competentes, deu um recado àquele veículo e, indiretamente, a todos os demais. Testemunhas podem ser transformadas em “suspeitos”, dependendo da firmeza crítica das matérias publicadas. Chavismo quimicamente puro. É curioso, caro leitor, como os governos com vocação autoritária convivem mal com a liberdade de imprensa e de expressão. O partido do presidente Lula, quando na oposição, usava e abusava de seu estilingue contra as vidraças do Palácio do Planalto. Lei da Mordaça, nem pensar. E as CPIs, que proliferavam como coelhos, eram defendidas como instrumento indispensável no combate à corrupção. De alguns anos para cá, a coisa mudou. Abertura de CPI virou conspiração contra a governabilidade. E a Lei da Mordaça foi transformada em “instrumento legítimo para controlar a irresponsabilidade da mídia e dos promotores”. Os jornalistas, segundo algumas lideranças petistas, estariam extrapolando o seu papel e assumindo funções reservadas à polícia e ao Poder Judiciário. O presidente Lula foi reeleito pela vontade maciça dos brasileiros. Seu mandato deve ser, por óbvio, respeitado. Isso não significa um aval à impunidade. Ademais, o próprio presidente da República tem insistido na necessidade de que as investigações avancem e os culpados sejam punidos. Não se pode brincar com as palavras. Não se deve achincalhar o sentimento de justiça dos brasileiros. É importante que o Ministério Público, no cumprimento de seus deveres constitucionais, prossiga no seu ânimo investigativo. É fundamental que os políticos e os governantes saibam que a imprensa, que não se acovardou nos piores momentos da ditadura militar, cumprirá o seu papel, independentemente de patrulhamentos, ataques e pressões. Mas, sobretudo, é essencial que o Judiciário, serenamente e sem engajamentos espúrios, esteja à altura da justa indignação nacional. A informação, gostem ou não as autoridades de turno, é a base da sociedade democrática. Precisamos, constantemente, melhorar os controles éticos da notícia, combater as eventuais manifestações de prejulgamento e as tentativas de transformar a mídia em passarela para o desfile de vaidades. Mas, ao mesmo tempo, não podemos deixar de criticar os injustos e abusivos ataques à liberdade de imprensa e de opinião. O presidente Lula, que sofreu na própria carne a violência do autoritarismo militar, tem o dever intransferível de cobrar limites aos excessos praticados por seus funcionários, aliados e liderados. É o que a sociedade tem o direito de esperar.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/06/2006 10:23:00 AM |
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