Entrevistas
Arthur Virgílio
Gerson Camata
Júlio Campos
Roberto Romano - 1ª parte
Roberto Romano - 2ª parte
Eluise Dorileo Guedes
Eduardo Mahon
p&p recomenda
Textos recentes
Arquivo p&p
  
FALTA DE ÉTICA, "JUSTIÇA SOCIAL" E SUBDESENVOLVIMENTO
Por João Luiz Mauad, em Mídia sem Máscara
A incrível votação obtida pelo candidato Lula no segundo turno das eleições e a sua acachapante re-eleição, mesmo após o conhecimento público de todas as roubalheiras, falcatruas, fraudes e crimes correlatos cometidos por integrantes do governo petista, todos já devidamente denunciados à justiça pelo Ministério Público ou em fase de inquérito policial, é a prova cabal da deterioração da ética em nosso país, resultado direto do relativismo moral esquerdofrênico que vem sendo inoculado no inconsciente coletivo da sociedade brasileira nos últimos 30 anos.
Quando os membros de uma sociedade, por conta da sublimação do relativismo, passam a não mais distinguir entre o bom e o mau, o certo e o errado, o justo e o injusto, o correto e o incorreto, os parâmetros de conduta moral subjetiva - valores éticos -, responsáveis, em grande medida, pelo "regramento" das relações sociais, vão definhando até o ponto em que o barbarismo (cada um por si) se instala. Por isso, a ética talvez seja, dentre todas as instituições normativas existentes num determinado Estado, aquela que exerça maior influência na formação dos ambientes social, político e (o que nos interessa aqui) econômico de uma nação.
Os bons economistas são quase unânimes em afirmar que instituições fortes, inequívocas e estáveis formam o arcabouço fundamental e necessário para a prosperidade econômica de qualquer sociedade. De acordo com Douglass North, "O desempenho econômico é função das instituições e de sua evolução. Juntamente com a tecnologia empregada, elas determinam os custos de transação e produção. As instituições constituem as regras do jogo numa sociedade; mais formalmente, representam os limites estabelecidos pelo homem para disciplinar as interações humanas. Um mercado eficiente é conseqüência de instituições que, em determinado momento, oferecem avaliação e execução contratuais de baixo custo".
Toda transação econômica é estruturada em torno de acordos de vontade entre os agentes que visam a adquirir, resguardar, transferir ou conservar direitos de propriedade. Os contratos podem ser expressos ou tácitos, porém a expectativa subjacente é o cumprimento do pactuado, já que, caso contrário, a contratação não teria nenhum sentido. Com efeito, em sociedades onde o imperativo ético não é regra, as relações entre indivíduos perdem um dos seus mais importantes princípios subjetivos de referência, as interações de natureza econômica tornam-se complicadas e caras - resultado da crescente desconfiança mútua entre os agentes -, desaguando finalmente num meio ambiente inóspito à geração de riquezas e ao desenvolvimento.
No tempo dos nossos avós, a palavra empenhada valia tanto ou mais que assinaturas e garantias formais. Ainda me lembro de uma expressão clássica de antigamente, repetida amiúde pelo meu velho avô, para quem, um "fio do bigode" valia mais do que uma escritura recheada de avais e fianças. No Brasil de hoje, infelizmente, qualquer negócio deve ser precedido de extensos contratos formais - elaborados por especialistas em contenciosos judiciais - e coadjuvados por múltiplas garantias reais e fidejussórias. Ainda assim, não há certeza de nada.
Além de onerar as transações comerciais com um altíssimo custo indireto, também chamado por alguns economistas de "custo de transação", o clima de desconfiança geral, proveniente da progressiva falta de ética, provoca ainda a perda de inúmeras oportunidades de negócios e investimentos que, de outra forma, poderiam estar sendo entabulados. Para complicar as coisas, os nossos tribunais há muito não primam por resguardar os direitos reais das partes em conflito, especialmente porque a própria Constituição da República "relativisa" o direito de propriedade, vinculando-o a uma tal "função social", cujo critério de aplicação será definido pela autoridade de plantão, normalmente baseada na situação econômica dos contendores. Que garantias, afinal, pode fornecer uma justiça onde o princípio da igualdade de todos perante a lei costuma ser substituído por esta coisa vaga que chamam de "justiça social"?
O resultado da união entre a decadência da ética e a imprevisibilidade jurídica é perverso e, pouco a pouco, vai minando a economia do país. Um exemplo claro dessa mazela institucional é o mercado imobiliário. Num passado não muito distante, eram comuns os investimentos em imóveis para aluguel. Como negócio de baixo risco, atraía um contingente expressivo de investidores com perfil conservador. Naquele tempo, com raras exceções, os contratos de locação eram honrados sem que fosse necessária a intervenção da justiça. Esta, por sua vez, quando chamada, julgava com a celeridade e a imparcialidade necessárias, dando aos proprietários alguma certeza de retorno do capital investido.
De uns tempos para cá, desgraçadamente, tudo mudou. O desrespeito aos contratos é patente. Tornou-se normal o descumprimento reiterado dos acordos entre indivíduos, sejam eles formais ou informais. Conheço casos em que inquilinos permaneceram morando em imóvel alheio por quase três anos, sem pagar um centavo de aluguel, deixando ao proprietário, depois que a justiça finalmente concedeu o despejo, além dos aluguéis não pagos, dividas com condomínios, impostos, prestadoras de serviço público, etc.
Nessas condições, só os muito desavisados ainda insistem no investimento arriscado de adquirir propriedades imobiliárias para locação, fato que causou uma redução drástica na demanda por imóveis novos, acarretando o desaquecimento contínuo do mercado da construção civil, normalmente um dos setores mais importantes da economia de qualquer país.
O que nos falta não são leis objetivas, pois estas abundam em Pindorama. A simples existência da lei, no entanto, não garante integridade às relações sociais, especialmente às econômicas. Sem valores éticos fortes, essas relações tornam-se complicadas, caras e a tendência contínua é rumo à escassez. De nada vale um arcabouço interminável de normas escritas e objetivas se não houver critérios subjetivos a reger a conduta individual. De que adianta constar na lei que a fraude é crime, se no íntimo de cada um isso não representa algo nocivo? Se para o senso comum isso é uma coisa que todo mundo faz?


Editado por Giulio Sanmartini   às   11/06/2006 03:59:00 AM      |