Editorial em O Estado de São Paulo
Um dos inconvenientes de falar demais é que, quanto mais se fala, mais se corre o risco não só de errar, mas de errar em prejuízo próprio. Tome-se o caso do presidente Lula - aliás, quem seria mais indicado para ilustrar essa verdade na esfera pública brasileira, hoje em dia? Em estado de bem-aventurança pelos 58 milhões de votos recebidos no segundo turno, ele se permite externar - ao mesmo tempo que o persegue - o ideal, secreto e por definição inalcançável nas democracias, de todos aqueles levados ao poder nos ombros do povo: governar sem oposição.
Mas a propensão para a prepotência de Lula, aliada ao seu evidente prazer de ouvir o som da própria voz, o fez pronunciar uma frase da qual não se sabe o que é pior - se a gafe política ou a inconveniência para as suas pretensões de apaziguar os inimigos. 'Se alguém quiser fazer oposição a mim, faça na eleição de 2010', disse para 16 governadores aliados, completando com o contra-senso, 'quando não serei candidato.' O PSDB reagiu como era de esperar. 'Um país que não tem oposição é ditadura', disparou o presidente da sigla, Tasso Jereissati. 'Só quem não gosta de democracia rejeita a oposição', emendou o governador mineiro Aécio Neves, citado por Lula como um dos tucanos com quem a sua relação é 'histórica, de 30 anos'. (Aécio tem 46.) O ponto não é que Lula desgoste da democracia movido por pendores ditatoriais. É que ele não quer que o aborreçam com cacoetes oposicionistas, como, por exemplo, a cobrança para que diga, afinal, a que virá o segundo mandato. Não estamos dizendo que Lula quer governar como o ditador a quem repugna ter os planos contestados. O que ele quer é que 'deixem o homem discursar'- enquanto seus assessores preparam pacotes de medidas que seriam de entusiasmar se fossem viáveis. De todo modo, a movimentação do presidente para reunir ao seu redor, além dos coligados PT, PSB e PC do B, o PMDB, o PP, o PR, o PDT, o PTB, o PV e os eventuais trânsfugas do PSDB e PFL visa a formar na Câmara uma base que ocupe 60% das cadeiras disponíveis. Está no seu direito, desde que demonstre ter aprendido nestes quatro anos outro ensinamento além daquele de que nomear amigos é um erro, porque raramente são os melhores e quase sempre são difíceis de tirar. ('Aprendi uma lição', discursou Lula aos governadores, convencido de que 'nunca antes neste país' algum governante se tivesse dado conta disso. 'A máquina pública, quanto mais eficiente e qualificada, mais fácil para o governante governar.') Lula, que gostaria que a oposição não existisse, pelo trabalho que dá, diz agora querer 'boa conversa' com os oposicionistas 'que fizerem política civilizada'. Conviria que lembrasse, a propósito, duas coisas. Uma, a oposição incivilizada, para dizer o mínimo, que o seu PT moveu ao governo Fernando Henrique. Outra, que o que ele parece entender por incivilidade política se instaurou a partir da operação-abafa desencadeada pelo Planalto para impedir que uma CPI investigasse o primeiro dos escândalos que marcariam a era Lula - o Waldogate, em fevereiro de 2004. Antes disso, pouco ou nada teve o presidente a reclamar da oposição. Depois, quando ao Waldogate se somaram, entre outros malfeitos, o suborno sistemático de deputados e a infâmia contra o caseiro que deixara o ministro Antonio Palocci em maus lençóis - tudo sempre imerso em tentativas de acobertamento a que Lula não esteve alheio -, a oposição radicalizou (embora não a ponto de pedir o seu impeachment). Com a ofensiva petista contra as 'elites' e a exaltação da campanha, não espanta que o PSDB tenha dado uma 'exagerada', como reconheceu, na sua polêmica conversa com Lula, o líder tucano no Senado, Arthur Virgílio. Não é do interesse nacional que persistam no exagero. Quase tão pernicioso como uma oposição ausente é uma oposição carbonária. Nas democracias, a oposição é objetivamente co-responsável pela condução do país. Seja para o bem, quando tenta persuadir os governantes a fazer a coisa certa, seja para o mal, quando tenta tolher as suas iniciativas, mesmo as meritórias. Se e quando Lula deixar para trás as generalidades e definir políticas concretas - em vez de tentar impingir pacotes inviáveis -, a oposição deve julgá-las pragmaticamente. Só não pode transigir no plano da ética.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/25/2006 10:08:00 AM |
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