Por Arnaldo Jabor em O Povo (Fortaleza) Existe uma luta mais renhida que esquerda x direita no país: no PT-governo há uma luta entre um desenvolvimentismo sensato e a porra-louquice truculenta de bolchevistas-dirceuzistas. Sempre houve uma simbiose interativa entre Lula e a velha esquerda que se aninhou à sua volta. Lula precisou de seguidores para construir um partido além do sindicalismo; por outro lado, os esquerdistas derrotados em 1964 e 1968 precisavam do Lula como bandeira. Houve uma troca: Lula era palpável, do mundo real e lhes dava um rumo. Eles, da elite intelectual, lhe davam respaldo político. No primeiro mandato, usaram o Lulinha paz e amor para depois usarem o poder para outra tomada do poder. Lula permitiu, por conivência ou desatenção. Nunca o saberemos, já que ele conseguiu escapar, num show de maquiavelismo. O resultado foi a doideira do mensalão (de que Jefferson nos salvou) e, depois, a trapalhada do dossiê tabajara. Agora, ele tem uma segunda chance: Jango ou JK? A claque sindicalista que subiu ao poder nunca desistiu de seus planos; suas mentes são programadas para repetir as mesmas táticas. A esquerda velha continua fixada na idéia de unidade, de centro, de Estado-pai, de apagamento de diferenças, ignorando a intrincada sociedade com bilhões de desejos e contradições. O esquerdista tradicional não aceita a irreversível predominância do capitalismo, quando até o Vietnã sabe disso. Seus projetos são regressivos, na marcha a ré da história.
A tragédia do janguismo, no contexto da guerra fria, compreende-se hoje e se justifica; repetida, seria uma farsa ridícula. Já o liberal JK aggiornado até seria possível, no capitalismo global. Toda a luta progressista de hoje se trava entre a esquerda que amadureceu e a esquerda que continua na ilusão de 1963. A velha esquerda brasileira existe como nostalgia da esquerda. Lula está bem no meio desse pingue-pongue. Não é possível que Lula, pragmático e vivido, não compreenda que absolutamente todas as crises infernais que viveu no primeiro governo foram planejadas por sua equipe sindical-dirceuzista. Se ele não se livrar dessa gente, seu segundo governo será populista, assembleísta, defensivo e mentiroso. Se sim, poderá fazer um bom governo. Há superávit na balança, há um contexto internacional ótimo (até quando?), haverá mais poder no Legislativo, há a experiência de ter governado, há pontos de identificação com governadores como Aécio e Serra que, aliás, disse que desenvolvimento não pode ser um palavrão. Está certo, pois palavrões como porra-louquice e escrotidão seriam bons para descrever o desenvolvimentismo irresponsável, sem cortes e sem reformas, que Palocci, graças a Deus, impediu. Agora, com Lula reeleito, temos uma discreta esperança em seu novo governo, diante de suas declarações sensatas (no duro?) e também pelas palavras maduras de Dilma Roussef na entrevista de domingo no Estadão. Ambos falam em gradualismo, em respeito à macroeconomia, em diminuição de gastos, em reformas. Tomara que prevaleça o espírito de Palocci, aprofundado por coragem administrativa e senso de realidade. Mas, tudo é frágil e preocupante, porque gente do PT radical como Pont, Pomar, CUT, MST, bispos vermelhos, intelectuais de pijama, sindicalistas dentro de suas boquinhas, Gildemares e Valdebrans, Okamotos, Freuds, Tarsos, Aurélios e Amarais já anunciam que "não permitirão apropriação de agendas neoliberais... etc..." para forçar o Lula a uma postura radicalizante. A Lei de Responsabilidade Fiscal, uma rara vitória do Brasil, já está sendo ameaçada. No duro, nas brechas da concertación que o governo andou propondo, continua a mentalidade clandestina de 1980, de usar o Lula para fins revolucionários infantis. Continuam a achar o Lula alguém a ser utilizado. Exatamente quando o partido nascia, na revista Extra, fundada naquele ano, houve entrevistas com Lula e com petistas clássicos, como o professor Ricardo Antunes e nossos Genoino e Greenhalgh. Vejam. Ricardo Antunes, professor de História: "É surpreendente que um líder como Lula desconheça questões no plano do marxismo. Ele oscila entre um reformismo burguês radical e, no limite, chegaria uma espontaneidade operária. A síntese entre o elemento espontâneo e o elemento consciente, que implica numa absorção do verdadeiro marxismo, isto o Lula não atingiu nem longinquamente". Luis Eduardo Greenhalg opina também: "Lula é indisciplinado e desorganizado, não estabelece prioridades, não cumpre todas as tarefas, é absolutamente caótico em relação à agenda". E o deputado José Genoino vai no estribilho: "Lula tem um preconceito acentuado em relação à esquerda organizada. Uma visão pequeno-burguesa do socialismo. Lula ainda está longe do marxismo". No entanto, na mesma revista, Lula declara: "Setores da esquerda e da intelectualidade não acreditam que um trabalhador possa ter um despertar e começar a falar o que alguns sabem porque leram algum livro. Estas pessoas acham que a classe trabalhadora é incapaz de formular uma visão política sobre as coisas ou os caminhos de suas lutas. Essas pessoas são incapazes de acreditar que quem faz a minha cabeça são os problemas que a classe trabalhadora vive hoje. Nunca quero me apresentar como se tivesse a verdade dentro da cabeça, porque ela não é absoluta e pode não ser a verdade do conjunto do povo brasileiro. Não tenho a preocupação de dizer se sou comunista, anarquista, socialista ou cristão. Prefiro me definir como um cidadão brasileiro, com consciência de que os trabalhadores precisam se organizar visando chegar ao poder. O meu problema com alguns marxistas é que eles não querem adaptar o marxismo à realidade brasileira (e sim o contrário...). Como levar o marxismo ao trabalhador rural? Isso não é fácil, mas alguns já têm o prato feito e só querem que o povo coma nele. (...) Se Marx pudesse ressuscitar e julgar os que se dizem marxistas, muitos seriam condenados por ele". É isso aí. Jango ou JK?
Editado por Giulio Sanmartini às 11/07/2006 06:44:00 AM |
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