Por Olavo de Carvalho, filósofo, em Mídia Sem Máscara Ninguém deve regozijar-se com a desgraça alheia, mas mostrar ao dr. Emir Sader que ele não está acima das leis era uma questão de saneamento básico. Apenas não concordo com a Justiça [*] catarinense ao desprovê-lo de suas funções oficiais na USP. Onde mais haveria lugar para um tipo como ele? Nas ruas, ele espalhará a mentira e a loucura entre a população. Na cadeia, corromperá os presidiários. Só na Cidade Universitária do Butantã é que ele pode estar entre seus iguais ou piores, sem chance de fazer o mal a quem não o mereça. Prova disso é a solidariedade que seus pares acabam de lhe hipotecar em mais um “Manifesto de Intelectuais”, o único gênero em que a produção literária nacional tem alcançado algum destaque no mundo. Sabemos como tudo começou. Tendo o senador Jorge Bornhausen dito que o voto era a maneira natural de expelir da vida pública a “raça petista”, o dr. Sader, fazendo-se de criancinha e fingindo ignorar a acepção do termo “raça” como coletivo usado para designar pejorativamente ou laudatoriamente qualquer grupo de pessoas sem o menor parentesco genético (como no xingamento “raça ruim” ou no título do famoso poema de Guilherme de Almeida), acusou o senador de racista e nazista. Sendo o racismo delito inafiançável, a imputação de crime, forçada até o extremo limite do ridículo, era ela própria crime doloso, e tinha de render a seu autor o prêmio judicial merecido.
Talvez se pudesse alegar em favor do réu o fato de que essa micagem semântica, por boboca que seja, é o único procedimento retórico que ele conhece, sendo possível reduzir a ela, por análise estilística, absolutamente todos os argumentos que ele apresenta na sua coluna internética “O Mundo às Avessas”, na qual, como já se vê pelo título, a verdade pode em geral ser obtida mediante simples inversão das assertivas do autor. Se, portanto, ele acusou o senador de racista, foi precisamente por saber que ele não era racista de maneira alguma. No início, o colunista pode ter feito essas coisas com a satisfação sádica da calúnia consciente, mas, com o tempo, parece que o hábito se incorporou de tal modo à sua pessoa que acabou por se tornar um cacoete, um reflexo instintivo e, por fim, uma cosmovisão e um estilo de vida: o mero sadismo transfigurou-se em saderismo. Mas eu seria injusto se visse nisso uma idiossincrasia pessoal saderiana. “Inversão” é a premissa universal do movimento revolucionário desde muitos séculos. Apenas, de Diderot e Hegel até Jacques Derrida, o procedimento geral era encobri-la sob alguma aparência requintada de coerência e sensatez, induzindo os leitores a engolir a enormidade sem percebê-la. Foi apenas no Brasil dos últimos anos que, reduzida a nada a capacidade literária por excesso de indulgência no vício do jargão partidário, e devidamente rebaixado o QI do público em iguais proporções, a inversão começou a se exibir em estado puro, pelada, nuinha, sem pejo, com toda a sua mecanicidade bárbara e o orgulho obsceno da estupidez triunfante. A esquerda inteira, em suma, começou a escrever, falar e pensar como o marquês de Sader. A prova disso, como eu ia dizendo, era o manifesto em favor do referido. Assinado por pessoas que se imaginam ilustres e são mantidas nessa crença pelos agradinhos mútuos e intenso troca-troca de subsídios oficiais sob os pretextos mais variados, essa peça literária copia tão exatamente o modus argüendi do referido, que parece ter sido escrita por ele em pessoa. Não digo isso pela pletora de solecismos, já demonstrada no estilo do dr. Sader pela Profa. Norma Braga e agora meticulosamente confirmada pelo Reinaldo Azevedo no texto do documento coletivo (v. as mensagens “Nos Emirados Sáderes”, “A palavra ‘escorchante’ e ProUni para Sader”, “Intelectuais, relembrem o texto de Sader” e “Luminares das letras em manifesto solecista pró-Sader” no seu blog . Se é verdade que o estilo é o homem, o estilo do manifesto é “usômi”. Mas o analfabetismo endêmico da classe dita intelectual neste país já é fato notório no qual não pretendo insistir. O caracteristicamente sadérico no manifesto é mesmo o seu conteúdo. A inversão já começa quando os signatários acusam a sentença condenatória de ser um atentado contra a liberdade de expressão. A demissão de Boris Casoy, a supressão de meus artigos no Jornal da Tarde, no Globo, na revista Época e na Zero Hora, as ameaças judiciais do deputado Greenhalgh ao jornal eletrônico Mídia Sem Máscara, as agressões a repórteres, a pressão policial contra a Folha de São Paulo e sessenta e três processos movidos contra Diogo Mainardi por ter dito verdades óbvias e arquiprovadas não atentam de maneira alguma contra a liberdade de expressão, mas proibir que o dr. Sader atribua crimes a quem não os cometeu, ah!, isto sim atenta, isto sim agride, isto sim fere a consciência libertária de Flávio Aguiar, Antônio Cândido e similares. Mas o inversionismo em todo o seu esplendor aparece é na comparação entre esse documento e o seu antecedente internacional. Em janeiro, tão logo anunciado o processo aberto contra o dr. Sader, uma vasta patota global constituída de Eduardo Galeano (escritor uruguaio), Anibal Quijano (sociólogo peruano), Ignacio Ramonet (Le Monde Diplomatique), Samir Amin (Fórum Mundial das Alternativas), Walden Bello (Focus on the Global South) e outros tantos já tomou partido do acusado e, sem ter a menor idéia do uso do termo “raça” em português, endossou a acusação ao senador Bornhausen, tachando-o de “fascista e racista”. O manifesto de agora, assinado por brasileiros que ao menos teoricamente falam a língua do senador, esperneia em todas as direções na defesa do dr. Sader, mas abstém-se meticulosamente de subscrever aquela acusação e até mesmo de transcrevê-la. Por quê? Se a sentença judicial contra as palavras do dr. Sader é injusta, elas são obviamente justas. Por que defender o denunciante ocultando ao mesmo tempo o conteúdo da denúncia? A resposta é óbvia: por mais amigos que sejam do dr. Sader, os autores do manifesto não quiseram ser seus cúmplices retroativos, sujeitando-se eles próprios à penalidade que o atingiu. Confessam, portanto, que ele é culpado, no instante mesmo em que o proclamam inocente, e tiram o corpo fora da encrenca no ato mesmo de fingir que entram nela corajosamente em defesa do condenado. É mesmo “o mundo às avessas”. Que tenham assim procedido por desatenção e inocentemente, é hipótese que se exclui desde logo pelo fato de que alguns deles, a começar pelo próprio Flávio Aguiar, já tinham assinado antes o manifesto de janeiro, no qual se fizeram cúmplices do crime cometido pelo dr. Sader, tentando agora apagar as pistas da sua participação no episódio, fazendo-se de advogados neutros para camuflar sua condição de co-autores do delito. Esforço inútil. Está tudo bem documentado, e, se faltassem provas patentes da má-fé dos “intelectuais de esquerda” em geral, essa já diria tudo. O senador Bornhausen não apenas obteve justiça no seu confronto com o dr. Sader, mas tem direito ainda a reparações, por danos morais, da parte de uma infinidade de estrelas e estrelos do elenco internacional e local do ativismo esquerdista, a começar pela Agência Carta Maior, que publicou originariamente a patifaria saderiana no site [3]. Creio mesmo que o senador tem a obrigação de lhes mover o devido processo cível, ferindo-os no único ponto sensível das suas consciências – o bolso – e ajudando o país a livrar-se dessa raça. Qual raça, exatamente? Em janeiro, o dr. Plínio de Arruda Sampaio, elegante esquerdista quatrocentão e um dos mais assanhados partidários do dr. Sader, chegou a tentar justificar o truque semântico pueril concebido contra o senador Bornhausen, proclamando que “não se pode aceitar o uso do termo ‘raça’ para referir-se a uma parte da população”. Esse critério lingüístico, se adotado oficialmente, obrigaria as autoridades a recolher como propaganda racista todos os exemplares do Evangelho, onde Jesus constantemente se refere a uma parte da população como “raça de víboras”. Mas, assim como o termo “raça petista” não ofende a nenhuma raça biológica, e sim somente à raça política petista, a expressão de Jesus não soa ofensiva e inaceitável senão às próprias víboras. Eis a resposta à minha pergunta. É a essa raça que pertencem o marquês de Sader e todo o cortejo dos seus admiradores. Por isso o lugar mais apropriado para eles é na USP, no bairro do Butantã, ao lado de um serpentário e dentro de outro.
Editado por Giulio Sanmartini às 11/07/2006 12:42:00 AM |
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