Por Xico Graziano em O Estado de São Paulo Termina o período eleitoral, festa máxima da democracia. Muita discussão, pouca proposta. O debate sobre ética, necessário, engolfou o programa de governo. No campo permeia enorme dúvida. “O que será de nós?”, perguntam os agricultores. Quem vencer, Lula ou Alckmin, definitivamente precisa tomar consciência de que a agricultura brasileira exige maior atenção. No marketing ou na política, vale pouco. Parcos votos, todavia, contrastam com sua importância na Nação. O próximo presidente da República, para obter sucesso no planejamento rural, deve respeitar certas premissas. Sem mistificação nem ideologia. Apenas considerar a simples realidade, uma radiografia da agropecuária. Aqui está seu esqueleto básico.
O PIB rural, medido dentro da porteira das fazendas, mal atinge 9% do nacional. Parece pequeno. Tal riqueza primária, porém, contamina toda a economia, formando longas cadeias produtivas. Tanto é que, somando o valor das empresas que dependem, na compra ou na venda, da agropecuária, o PIB do complexo agroindustrial, chamado “agronegócio”, sobe para 30%. Aqui se incluem, por exemplo, a indústria de máquinas e insumos, açougues e padarias, calças jeans e chocolate. Quase metade das exportações nacionais advém de produtos agrícolas, naturais ou processados. Mais importante, a balança do agronegócio é altamente superavitária: em 2005, exportou US$ 43 bilhões e importou US$ 5,2 bilhões. Resultado: do superávit comercial do País, a agricultura contribuiu com 84%. A roça paga a conta das importações industriais. Na composição do emprego, a produção rural absorve, no trabalho dentro das propriedades, cerca de 20% da população total ocupada. Adicionando o emprego nas cadeias produtivas, do boi à churrascaria, da horta à quitanda, estima-se o emprego do agronegócio em 37% do nacional. Há segurança alimentar no Brasil. Exceto no trigo, dependente acima de 50% de importações, a agricultura nacional, simultaneamente, abastece o mercado interno e exporta mercadorias. Os líderes da balança comercial, como soja, carnes, celulose, açúcar e café, geram dólares sem comprometer a comida popular. Óleo de soja é povão. O Brasil, desde as sesmarias, mostra elevada concentração de terras. Todavia, ao contrário dos EUA e da França, por aqui a pequena e média propriedade mantém sua importância na estrutura agrária. Em São Paulo, desde 1950 a área média está estabilizada ao redor de 70 hectares. Idem no Brasil. A tendência de concentração é amenizada via mecanismo de herança. O pequeno agricultor, apelidado de “familiar”, participa decisivamente do “agronegócio”. Em muitos setores, são as cooperativas que se encarregam de arregimentar sua produção, conectando-o ao mercado. E a chave para seu sucesso não está no tamanho, mas sim no conhecimento e na tecnologia. Só não praticam o “agronegócio” os produtores de subsistência. O Brasil é o único país do mundo que ostenta dois ministérios de agricultura, um dos “patronais” e outro dos “familiares”. Tal disparate exige correção, pois se trata de um absurdo teórico, um monstro criado pela ideologia tupiniquim. Segregar os agricultores significa discriminá-los, perdendo energia gerencial e recursos públicos. No início do processo de modernização agropecuária, nos anos 70, o financiamento cumpriu papel fundamental. Hoje, mais importante que crédito, o produtor rural carece de garantia de renda. Sem seguro rural cresce o endividamento do setor, que já atinge perigosos 50% do PIB setorial. Eleva a dependência do campo. Difícil, hoje, não é produzir, mas sim enfrentar o mercado e vender bem, com preços remuneradores. Redes de supermercados substituem os nefastos intermediários de outrora, submetendo a agricultura a uma tirania. Acesso ao mercado é o grande desafio da agropecuária. O conceito de terra “improdutiva” restou passado. Há 45 anos, quando se propôs a reforma agrária, mata virgem era sinônimo de “ociosidade”. Com a modernidade, derrubar florestas virou crime ambiental. Terrível tesoura ameaça a garganta do produtor: se desmatar, o Ibama pega; se deixar parado, o Incra toma. Assim não dá. Assentar excluídos, chamados sem-terra, aparenta generosidade, mas não funciona. É remédio ultrapassado contra a miséria. Basta ver os 7.640 assentamentos do Incra. Exceções à parte, configuram verdadeiras favelas rurais. Governos fazem de tudo, mas no mundo da tecnologia não se fabricam agricultores como antigamente, época da enxada. E custa caro assentar: cada família não sai por menos de R$ 50 mil. Dá um salário mínimo por mês durante 12 anos. Biotecnologia não é bicho do mal. China, Índia, Cuba, EUA, União Européia, Austrália, Canadá, todos os grandes países investem fortemente na engenharia genética. Cria-se assim um fosso de sapiência com o Brasil. Regulamentar transgênicos é necessário, tomar poeira na corrida tecnológica, não. Finalmente, o começo. Faltam dados confiáveis sobre o Brasil rural. As estatísticas agrárias estão defasadas dez anos, data do último Censo Agropecuário do IBGE. Tudo mudou após a estabilização da economia. A maior das prioridades é realizar, urgente, novo censo. Conhecer é poder. Fica o recado para os donos do poder. Os trabalhadores do campo carregam grossas mãos, mas têm sensibilidade para descobrir quando lhes roubam a esperança. Agricultor tem fama de caipira, mas não é bobo.
Editado por Giulio Sanmartini às 10/24/2006 08:48:00 AM |
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