Por Ipojuca Pontes, escritor, em Mídia sem Máscara Como os senhores devem saber, entreato, em teatro, é uma pequena cena dramática que se representa no intervalo entre os atos de uma peça. Acabo de receber, pela Internet, uma cena de “Entreatos”, documentário de propaganda lulista de João Moreira Salles, milionário herdeiro (em dólares) do banqueiro Walter Moreira Salles, sobre a campanha que levou Lula, o ex-operário-relâmpago, à presidência da República. A cena - filmada entre as inúmeras lambanças do Lula líder sindical e as incontáveis lambanças do Lula presidente -, independente das intenções de quem a filmou, é reveladora do que hoje nos cerca: um mar de tramas, sigilos e desconfianças mútuas que enlameia os bastidores do poder. O cenário do entreato é uma sala de reunião da cúpula do PT, coordenadora da campanha de 2002, liderada pelo poderoso chefão José Dirceu, a quem todos temem e prestam vassalagem. Os demais integrantes do grupo, são 1) Guido Mantega, figura apagada e atual ministro da Fazenda; 2) Gilberto de Carvalho, ex-seminarista e hoje chefe de Gabinete de Lula, acusado de proteger Sombra, denunciado por envolvimento na morte do prefeito Celso Daniel; 3) Luiz Gushiken, ex-Secretário de Comunicação e atual Assessor para Assuntos Estratégicos, acusado de manipular ligações entre fundos de pensões das estatais e o Caixa 2 para campanhas eleitorais do PT e, 4) Bruno Maranhão, assaltante de banco no período da luta armada e líder do MLST, responsável pelo quebra-quebra do Congresso nacional. Sentados em torno de uma mesa redonda, com copos e garrafas de água mineral, começa o entreato com Lula, sorrateiro, abandonando a cena para não ser filmado. Dirceu, solícito, arrasta a cadeira para Lula passar: “Oh, Lula, desculpe...” Guido Mantega, pressuroso, continua: “No dia seguinte, para hipotecar...” Dirceu atropela o interlocutor: “É bom você se organizar porque o Fox... No domingo o Fox quer falar com Lula. Porque a informação que o Fox tem, do Fernando Henrique... (aqui, o aprendiz do serviço de espionagem da CGI cubana descobre a câmera sem saber que está sendo filmado) “Você tá gravando isso aí, gente...(e, aborrecido,aponta, dedo em riste) “De quem é esse pessoal?... É teu, Bruno?”. E Bruno, filho de usineiro e ex-quadro do Partido Comunista Revolucionário Brasileiro, aflito: “Não, não. É o pessoal da... da... É o pessoal do João que está fazendo um documentário”. Dirceu, impaciente: “Que João?...” Bruno Maranhão, perdido: “João Salles”. Dirceu, ríspido: “O que é João Salles?...” Bruno Maranhão, como se isentando da presença dos intrometidos: “Tá combinado com Lula... Tá combinado com Lula...” Gilberto Carvalho, hoje o “homem da maçaneta” da porta presidencial, aproxima-se de Zé Dirceu e, talvez sabendo da riqueza de Salles, querendo acomodar a situação, deixa escapar: “É um documentário que ele está fazendo...”. O subserviente Bruno, temeroso da ira do chefe, cada está vez mais irritado, fala para a equipe do cineasta milionário: “Vamos deixar pra discutir depois... Vamos fazer o seguinte: É assunto sigiloso... É um assunto altamente sigiloso. Vamos deixar fazer uma cena e depois vocês vão embora, não é isso?”. O ex-guerrilheiro sem guerrilha, protegido de Raul Castro, que ajudou colocar Lula no centro do poder, ainda irritado, começa a tamborilar sobre a mesa com a ponta dos dedos. Maranhão procura amainar: “Eles são de confiança...”. O ex-seminarista Gilberto, retornando à mesa, completa em voz baixa: “Absoluta”. Dirceu contesta, definitivo: “Mas não existe confiança absoluta. Porque a fita de Lula sobre Pelotas terminou na mão do nosso inimigo. No Brasil não existe...” Gilberto Carvalho, tentando explicar: “É guardada num cofre todo dia...”. O deputado cassado Dirceu, agora envolvido no escândalo do “dossiêgate”, cada vez mais consciente de sua superioridade, torna-se professoral face aos demais, em especial com o ex-seminarista Gilberto. Nervoso, volta a tamborilar sobre a mesa com a ponta dos dedos: “Vai nessa, vai nessa... Se você soubesse aonde eu tô... Se você soubesse o que eu tenho das outras campanhas, você não falaria isso... Ah, Gilberto Carvalho... Pára com isso... (e, no deboche) E ta “entendendo” a nossa campanha! ... Há, há, há!...”. Pelo que se diz o milionário João Salles, voltado para a documentação da marginalidade, resolveu tirar de circulação “Entreatos”, quem sabe, pela “leitura” no mínimo ambígua que poderia resultar da exibição da cena premonitória, filmada em 2002. Nela, só a visão da figura de Bruno Maranhão, o terrorista do MLST, é um prato cheio. Para concluir: Salles é súdito do comunista Eduardo Coutinho, e Coutinho, incensado em prosa e verso pelas facções esquerdistas, de fato, não passa de cineasta medíocre ( ver “Faustão”) e péssimo documentarista. Sua cantata é “Cabra Marcado para Morrer”, um “globo repórter” pretensioso sobre Elizabeth Teixeira, mulher do camponês João Pedro Teixeira, levado às feras pela irresponsabilidade do PC, que o transformou em mártir. O dito Coutinho, num gesto de auto-censura, para não causar dano à imagem de Lula, cortou cena de um seu documentário em que a funcionária de um bar do sindicato dos metalúrgicos diz que o presidente, quando líder sindical, gostava de tomar cachaça (“51”). Coutinho diz que esse tipo de cinema é uma busca da “utopia concreta”. Só no inferno.
Editado por Giulio Sanmartini às 10/24/2006 01:59:00 AM |
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