Por Pedro do Coutto na Tribuna da Imprensa É um ótimo livro, principalmente sob o ponto de vista da revelação, o depoimento do ex-deputado Roberto Jeferson ao jornalista Luciano Trigo, colocado nas livrarias há poucas semanas pela Topbooks. Em "Nervos de aço", Jeferson narra os bastidores, traduzindo-os para o palco e assim tornando público um caminho político pouco iluminado, envolto em sombras. Nestas sombras, oculta-se a corrupção que, à medida em que avança, faz com que cada vez seja mais difícil a retomada do desenvolvimento econômico e do progresso social do País. Claro. Pois os custos da corrupção, em todos os níveis e todos os graus, são transferidos, pelas empresas participantes, numa escala ainda maior, nos preços e no volume da sonegação de impostos. Por isso, falta sempre dinheiro para os investimentos públicos, de modo geral, e, de maneira específica, para a educação, para a saúde, para a área de segurança pública. Para a melhoria dos transportes, para maior saneamento, para maior oferta de habitação popular, única forma de conter a favelização. Os efeitos da roubalheira que se generaliza supera a inflação do IBGE. Os salários, sobretudo os do funcionalismo público federal e do Rio de Janeiro, perdem longe para ela. A renda, portanto, vai se concentrando cada vez mais.
O governo paga aos Bancos juros de 14,25 por cento ao ano para rolar a dívida interna mobiliária de 1 trilhão e 30 bilhões de reais, como assinalou o próprio Banco Central. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística aponta uma taxa inflacionária de apenas 4 por cento para os últimos doze meses. E que dizer dos juros entre 4 a 5 por cento - ao mês - cobrados pela rede bancária e pelo comércio aos créditos pessoais? Não vale a pena nem citar os dos cheques especiais e cartões de crédito, da ordem de 7 a 8 por cento - ao mês. Mais de cem por cento ao ano. O governo, desde os dois mandatos de FHC, e agora na administração Lula, assiste a este quadro e nada faz para romper o impasse social. Um desastre de enormes proporções. O imobilismo predomina. Vitória do pensamento conservador. Reforma, adeus. A causa é a força da corrupção e da contradição maior, a punição direta e indireta das camadas da população que mais precisam da presença do poder público. Com o livro "Nervos de aço", Jeferson lança luz sobre a teia sinuosa e sinistra da desonestidade e nela inclui a si mesmo, tornando-se na política um exemplo singular de acusador implacável, inclusive de si próprio. O ator, na obra, revela os segredos de sua interpretação. Derrubou seu principal inimigo, José Dirceu, mas afundou junto com ele. Entretanto, seguramente, prestou um serviço inestimável à história do Brasil, a partir do momento de sua entrevista a Renata Lo Prete, publicada pela "Folha de S. Paulo". Contribuiu igualmente para a superação da ingenuidade de muitos. E mostrou, para alguns outros, que o "day after" é fundamental. Os episódios nunca se esgotam com eles mesmos. Geram reflexos, no presente e no futuro, acentuo eu. Em "Nervos de aço" - título de Lupicínio Rodrigues da década de 40, regravado por Paulinho da Viola -, Roberto Jeferson sustenta a contradição entre um projeto de governo e um projeto de poder. O PT assumiu um projeto de poder, esquecendo o de governo. Só que a falta do primeiro pode levar à perda do segundo. Como as urnas de primeiro de outubro deixaram no ar. Pois se há usinas de corrupção funcionando, existem também as usinas de pensamento, nas quais predomina o sentimento inevitável da ética. Ele é inseparável da condição humana e, no fundo, prevalece quando se trata de formar um juízo de valor. Inclusive a consciência coletiva tem a certeza absoluta que a corrupção para qualquer partido, sob o pretexto de fins eleitorais, transforma-se sempre em corrupção para interesses pessoais. É sempre assim. As coisas desonestas começam voltadas para uma direção e terminam dirigidas para outra. Delúbio Soares, José Genoino, Marcos Valério, Duda Mendonça, Ricardo Berzoini, Sílvio Pereira, José Dirceu e também Aloísio Mercadante, para ficar só nestes, são personagens da tragédia humana. Afundam qualquer barco em que se encontrem. Submergiram o Partido dos Trabalhadores e parcialmente o governo Lula. Na escala necessária para levar a sucessão presidencial ao segundo turno. Ia esquecendo Luiz Gusniken. Eles causaram a metamorfose do PT. Evaporaram a mensagem de reforma econômica e social, substituindo-a pela aceitação do conservadorismo contido nas imposições do FMI. Imposições aceitas por Fernando Henrique Cardoso, de 95 a janeiro de 2003. Lula, quando acordou para a realidade, já era tarde. Mas este desastre não foi suficiente para abalar o presidente da República. Foi preciso outro: o escândalo do dossiê contra José Serra, que colocou em dúvida o rumo da reeleição, que parecia assegurado. Coisas da política. O imprevisto, às vezes, torna-se essencial. O livro-depoimento de Roberto Jeferson, por focalizar de maneira abrangente as sombras do poder, iluminando-as, acrescentou muito à percepção coletiva. Mostra ao povo que ele não está participando do processo. Mas precisa participar. É essencial.
Editado por Giulio Sanmartini às 10/16/2006 03:54:00 AM |
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