Por Denis Lerrer Rosenfield, professor em O Estado de São Paulo A discussão sobre a reeleição tem comportado boa dose de oportunismo, para além dos problemas que ela, na verdade, tem suscitado. Um candidato-presidente, como temos observado nesta campanha eleitoral, tende a confundir os seus dois papéis em benefício próprio, numa evidente posição de vantagem em relação aos demais postulantes ao cargo presidencial. Dizer, como Lula tem dito, que é contra a reeleição, quando dela se aproveita sem nenhuma contenção, mostra, apenas, o seu pouco comprometimento com as suas próprias declarações passadas. Bastaria não se ter recandidatado, se fosse fiel às suas posições de antanho. Poderia, também, ter-se desincompatibilizado seis meses antes, exibindo o seu compromisso com a eqüidade. Nada disso aconteceu, e tivemos unicamente o uso desmedido do exercício do poder. Acontece, porém, que as oposições, em particular o PSDB, não se encontram numa posição particularmente confortável. O instituto da reeleição foi criado para tornar possível um segundo mandato ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa clara mudança das regras do jogo no meio do próprio jogo. Tratava-se de um mero projeto de poder do ex-presidente juntamente com os seus partidos de sustentação, sem nenhuma preocupação maior com o próprio País e com a estabilidade de suas instituições. Causam, portanto, surpresa as declarações de dirigentes tucanos contra a reeleição, sob o argumento de que ela não deu certo. Ora, uma regra eleitoral deve valer para todos os candidatos e para todos os partidos políticos, e não somente para alguns. Se ela foi válida para o então presidente Fernando Henrique, deve ser igualmente válida para o presidente Lula. Ou ela não teria sido válida para ambos os casos. O que não pode é uma regra valer apenas para um caso e não para todos. Há uma boa dose de hipocrisia nesta discussão, que é daninha para o próprio Estado brasileiro, que não pode, a toda hora, mudar as regras do jogo, segundo diferentes conveniências partidárias.
Particularmente escandalosa é a discussão tucana sobre a reeleição tendo como horizonte as eleições de 2010. Em vez de o PSDB se concentrar na eleição de Geraldo Alckmin, o partido aumenta o seu grau de desavença interna, trazendo para a agenda o problema da reeleição enquanto meio de criação de um consenso interno. A questão residiria numa eventual vitória de Alckmin, como se esta inviabilizasse a eleição de José Serra ou Aécio Neves no pleito seguinte. Ora, essa é uma questão interna ao partido, que não poderia ser apresentada como um problema que deveria ser equacionado numa eventual reforma política. Um partido, qualquer que seja, e particularmente o PSDB, no caso, deveria resolver os seus problemas internamente, e não transferi-los para as instituições do Estado. Se os caciques tucanos não conseguem resolver os seus contenciosos, o problema é deles, e não do Brasil. Bastaria, como homens honrados, comprometerem as suas respectivas palavras, cada um deles, por exemplo, assumindo o compromisso de não se recandidatar. O País não pode ser caudatário de um problema partidário interno. O que, sim, o instituto da reeleição está mostrando é o uso escancarado do poder em proveito daqueles que o detêm. Isto, no entanto, não é um problema apenas do presidente Lula, embora este pareça ter menos pruridos do que o anterior no uso da máquina estatal. O ex-presidente Fernando Henrique também utilizou a máquina governamental em benefício próprio. Ambos confundiram a posição de candidato com a de presidente da República. Ambos se sentiram tão confortáveis que se recusaram igualmente ao debate eleitoral, como se a discussão de idéias não fosse relevante para eles. Fica, portanto, extremamente difícil para Alckmin exigir de Lula que venha ao debate, uma vez que o seu próprio partido - no presente e no passado - assume a mesma posição quando lhe convém. Posições bem mais cômodas são as de Heloisa Helena e Cristovam Buarque, pois são coerentes com as posições que o PT tinha no passado, contrárias à reeleição e exigindo o debate público. Incoerentes são Lula e o PT atualmente. Impõe-se, então, que se faça a distinção entre o instituto da reeleição e as condições de seu exercício. É ainda cedo para julgar que a reeleição pode ser pura e simplesmente abandonada, na medida em que ela valeu apenas para duas eleições presidenciais. Não há, por uma questão de princípio, nenhum problema em que um governante, de qualquer partido, fique no poder durante oito anos, para levar a cabo a realização de um determinado projeto. Cabe aos eleitores decidir se aceitam ou não esse projeto, e não a um pequeno grupo de políticos que se sentem contrariados quanto à satisfação de seus interesses. O que a experiência tem mostrado é o abuso de presidentes e governadores que se utilizam de suas respectivas posições para permanecerem no poder, confundindo, precisamente, os seus papéis de candidato e de governador ou presidente. E isto vale tanto para os atuais governadores e presidente quanto para os anteriores, sem nenhuma discriminação partidária. Se a regra da desincompatibilização tivesse sido introduzida, sendo válida, por exemplo, para no mínimo seis meses antes das eleições, boa parte da discussão atual já estaria vencida. Maior clareza e honestidade estariam pautando o processo eleitoral, a igualdade de oportunidades dos candidatos estaria vigorando e os abusos estariam sendo mais eficazmente coibidos pela Justiça Eleitoral. Esta, por sua vez, teria muito mais fundamento para suas decisões. Se as regras são claras, a posição do juiz é muito menos tributária de interpretações. Os partidos políticos em geral não parecem, porém, ter essa preocupação.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/18/2006 03:37:00 AM |
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