Por João Luiz Mauad em Mídia sem Máscara Há poucos anos, havia um excelente funcionário na empresa em que eu trabalhava. Era o típico funcionário padrão. O rapaz era pedreiro mas a sua boa-vontade e disposição para a labuta alçaram-no, rapidamente, ao cargo de encarregado de turma na construção civil, apesar da sua juventude e pouca instrução. Certo dia, porém, ele sofreu um acidente de motocicleta, cujo resultado foi uma lesão nos tendões de um dos tornozelos, fato que, graças à inépcia do nosso serviço público de saúde, o deixou sem flexibilidade num dos pés (levemente manco). De acordo com o laudo pericial do INSS, no entanto, aquela lesão foi suficientemente grave para que o sujeito fosse beneficiado (!?) com uma aposentadoria por invalidez, aos vinte e poucos anos de idade. A partir daquele momento, malgrado o traumatismo não o incapacitasse para a maioria das atividades que antes desempenhava, o rapaz passou a apresentar um comportamento profissional totalmente diferente. O antigo entusiasmo foi substituído pela preguiça e não havia mais qualquer oferta de trabalho que o agradasse. Apesar de o rendimento previdenciário ser menor do que o salário que ele ganhava anteriormente, o sujeito estava irremediavelmente entorpecido pelo que os italianos chamam de “il dolce far niente”. Passou a viver da aposentadoria e, como ele mesmo dizia, de pequenos biscates, porém “sem compromisso”.
Em viagem recente a Portugal, um fato deixou-me com a pulga atrás da orelha. Por todos os lugares onde eu andava, havia sempre cartazes nas vitrines das lojas anunciando: “precisa-se de colaboradores” (é, amigo leitor, a praga do politicamente correto não é exclusividade nossa!). Apesar disso, o que se lia nos jornais locais era que os índices de desemprego estavam em patamares alarmantes. Não foi difícil descobrir a razão desse aparente paradoxo. A lei do seguro-desemprego, produzida pelo Estado de bem-estar social português, incentiva fortemente o ócio, já que prevê um período de até dois (ou três) anos para a concessão do benefício, cujo valor pode chegar a até 80% do último salário. Ou seja, criou-se por lá uma verdadeira indústria do desemprego remunerado, às custas do Estado, é claro. Meu filho, estudante de engenharia, trabalha como estagiário numa obra de construção civil. É o seu primeiro emprego e uma das coisas que chamaram a sua atenção, desde o primeiro momento, foi o trabalho físico estafante dos operários. Como o conceito de produtividade não lhe é muito íntimo ainda, ele acha que os salários deste setor são muito baixos. No entanto, um fato específico o deixou intrigado. Há um determinado operário que pouco aparece na obra. Quando dá as caras, trabalha muito pouco e, quando trabalha, faz tantas bobagens que as suas tarefas têm que, invariavelmente, ser refeitas. Meu filho não entendia aquela situação, até que um dia alguém lhe disse que o tal fulano era membro do sindicato da categoria e, assim, gozava de estabilidade no emprego e só poderia ser demitido por “justa causa”. Como comprovar justa causa perante a Justiça do Trabalho tupiniquim é quase impossível, o tal sindicalista vai levando a vida na flauta, sem ser incomodado, às custas do suor alheio. É ingênuo pensar que os exemplos acima são exceções, pois na verdade eles são a regra. Ludwig Von Mises, no seu monumental “Human Action”, discute esse tema de forma brilhante e exaustiva, explicando como e porque o trabalho só é preferível ao ócio (termo usado aqui no sentido de “não-trabalho”) até onde o produto daquele é mais urgentemente desejado do que satisfação gerada por este. O homem, ao considerar o esforço físico, mental ou psicológico do trabalho, avalia não somente se haveria um fim mais desejável para o emprego de suas energias, mas também, e não menos, se não seria mais conveniente e satisfatório abster-se dele. O ócio seria, portanto, “objeto da ação intencional do ser humano” ou, nas palavras do autor, um “bem econômico de primeira ordem”, enquanto o trabalho é somente um dos meios utilizados para alcançá-lo. Qualquer que seja o nível de renda, portanto, a maioria dos homens estará propensa a largar o trabalho no ponto em que não mais considere a sua utilidade como compensação suficiente para o desconforto gerado por ele. Por esse mesmo raciocínio, se houver alguém disposto a pagar para que não façamos nada, o produto do trabalho terá que ser bem mais alto e, conseqüentemente, compensador, para que nos disponhamos a abandonar o ócio remunerado. É claro que em Pindorama as coisas não são diferentes. Graças ao famigerado “Bolsa-Família”, está cada vez mais difícil a contratação de mão-de-obra nos setores primário e terciário do Nordeste, especialmente na Zona da Mata pernambucana, ainda que os preços ofertados já tenham subido bastante. Não surpreende. Além da esperada opção do homem por não trabalhar, existe aqui um outro fator muito importante que é o risco da perda do benefício, já que este estaria, pelo menos em tese, vinculado e limitado a determinado teto de renda dos beneficiários. Para finalizar, um aviso a todos aqueles indivíduos bem intencionados que encontram-se embasbacados pelo momentâneo “sucesso re-distributivo” do Bolsa-Família: do ponto de vista da ciência econômica, o assistencialismo público é algo extremamente pernicioso para o crescimento sustentado. Além dos exaustivos argumentos lógicos da praxiologia, a persistente estagnação dos países europeus que caíram na esparrela da social-democracia assistencialista (welfare state) está aí para oferecer-nos a comprovação empírica desta verdade.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/18/2006 01:15:00 AM |
|