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O TRUNFO QUE "MATA" TODAS AS "MÃOS"
Editorial em O Estado de São Paulo
O princípio fundamental que rege toda a legislação eleitoral, numa democracia, é o da igualdade de oportunidades entre os candidatos concorrentes a cargos públicos, a serem exercidos mediante conquista de mandatos eletivos. É em razão desse princípio, por exemplo, que foram criados - para alguns cargos - os períodos de desincompatibilização (entre a candidatura e o exercício efetivo), tendo em vista impedir o uso da máquina da administração pública em benefício eleitoral de detentores do poder político, assim como se tenta restringir ao máximo os usos e abusos do poder econômico - chegando-se até a imposição censória, que engessa o trabalho dos veículos de comunicação eletrônica de massa, nos períodos eleitorais.
Por outro lado, o princípio básico da Lei de Responsabilidade Fiscal, que se destina a exigir gestão equilibrada de administradores públicos, também se conecta à lisura das campanhas eleitorais, impedindo que recursos dos contribuintes sejam desviados, de maneira espúria, para essa finalidade. Se há proibição de nomeações meses antes das eleições, limites de despesas com pessoal, de gastos e endividamento de Estados e municípios, assim como, segundo restrições legais mais recentes, a proibição de showmícios, colocação de outdoors, distribuição de brindes e coisas do tipo, tudo isso obedece a uma ética geral cujo escopo essencial é a lisura público-eleitoral, que leva ao não desvirtuamento do sentido do voto popular, em razão da pressão de poderes, sejam políticos, econômicos ou de outra ordem.
Vêm à baila estas considerações a propósito do aumento brutal de gastos com o programa Bolsa-Família, que em apenas um mês, de junho a julho, subiu nada menos do que 60%, saltando de R$ 597,7 milhões para R$ 952,4 milhões. A finalidade eleitoreira de tal aumento é gritante demais para passar, sem maiores preocupações, para a sociedade brasileira. Todas aquelas restrições, retromencionadas, objetivando assegurar a lisura eleitoral, caem estrepitosamente por terra, com esse programa assistencialista. E assistencialista ele é, embora louvável e necessário, porque jamais terá o efeito de reduzir o nível de pobreza dos que são por ele contemplados. Veja-se a coincidência: o número de famílias atendidas pelo grande programa de "transferência de renda", resultante da junção de programas sociais anteriores, como o Bolsa-Escola (pois Lula e seu partido não são os pais dos programas sociais que amalgamaram), é de 11,1 milhões. O número de famílias pobres do País, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad) de 2004 é, precisamente, de 11,1 milhões.
Agora, passaria pela cabeça de alguém ser apenas coincidência o fato de no Nordeste, onde o presidente-candidato Luiz Inácio Lula da Silva desfruta de esmagadora preferência, segundo todas as pesquisas de intenção de voto - com enorme vantagem em relação a seu principal concorrente, o tucano Geraldo Alckmin -, o volume de recursos do Bolsa-Família ter aumentado em 93%, de um mês a outro (junho a julho)? Para dar esse presente ao eleitorado do presidente, o governo antecipou pagamentos para que 40% das famílias recebessem, em julho, o valor de duas mensalidades.
Disse o experiente analista do instituto de pesquisa de opinião Vox Populi: "O presidente Lula quebra a resistência de um eleitorado dos grotões e das periferias das grandes cidades, formado por mulheres de baixa renda e baixa escolaridade, que resistia a votar nele, mas que, por influência do Bolsa-Família, muda de idéia e passa a votar." Aí está, precisamente, a distorção maior - embora não inédita na historia política do País, infelizmente - da consciência de cidadania que motiva o voto popular. No passado eram as obras públicas feitas a toque de caixa às vésperas das eleições, para angariar votos. Hoje é o dinheiro sonante dado, diretamente, àqueles levados a encarar a adesão eleitoral como meio de sobrevivência. Eis o trunfo que "mata" todas as "mãos" de qualquer adversário, por mais bem arquitetada que seja sua campanha.
Se os estrategistas petistas tivessem calculado melhor o efeito estupendo - no agrado a dezenas de milhões de eleitores - do programa Bolsa-Família, certamente teriam se poupado de tantos "erros", que lhes trouxeram tanto desgaste. De qualquer maneira, é evidente que não precisariam aumentar de maneira tão escandalosa o volume de recursos do programa, às vésperas das eleições.


Editado por Giulio Sanmartini   às   9/01/2006 12:12:00 PM      |