Editorial em O Estado de São Paulo É difícil compartilhar o otimismo demonstrado pelo Itamaraty com as recentes mudanças havidas tanto na equipe boliviana de negociadores da questão do gás como na direção da Yacimientos Petroliferos Fiscales de Bolivia (YPFB), a estatal que pelo "decreto supremo" da nacionalização dos hidrocarbonetos se tornou monopolista. É fato que a transferência da chefia da equipe negociadora para o vice-presidente Alvaro Garcia Linera - que recentemente esteve em Brasília para comunicar a decisão ao governo brasileiro - e a inclusão de três ministros de Estado no grupo praticamente reduziu a zero a nefasta influência do ministro de Hidrocarbonetos, Andrés Soliz Rada. Pelas declarações e atitudes desse ministro não se poderia esperar um resultado razoável para o dissídio em torno dos investimentos da Petrobrás na Bolívia e as negociações de novos termos para o fornecimento de gás. Também parece promissora a substituição de Jorge Alvarado por Juan Carlos Ortiz Banzer na presidência da YPFB. Alvarado não era do ramo, o que dificultava as negociações, e Ortiz Banzer foi, entre 2001 e 2004, gerente da Petrobrás na Bolívia. O problema é que tudo indica que essas substituições não foram feitas para desobstruir as negociações com o Brasil. Deveram-se, antes, à grande confusão política e administrativa que, como já se esperava, caracteriza o governo Evo Morales.
Jorge Alvarado não foi obrigado a deixar a direção da YPFB porque a empresa entrou em colapso há uma semana, interrompendo todas as suas atividades por falta de recursos financeiros e de competência técnica de seus quadros. Saiu porque um diretor da empresa denunciou irregularidades que ele teria cometido na assinatura de um contrato de fornecimento de petróleo para o Brasil. O presidente Evo Morales aplicou, no caso, a justiça salomônica: demitiu acusado e acusador - mas a YPFB continua inoperante, sem condições estruturais de assumir todos os negócios de petróleo e gás do país. Já o caso do ministro Soliz Rada é mais complicado. A seu radicalismo ideológico soma-se uma personalidade agressiva e essa mistura acabou produzindo o primeiro grande revés de Evo Morales no Congresso, que aprovou uma moção de censura contra o ministro dos Hidrocarbonetos. Morales não demitiu o ministro, mas colocou-o na sombra, para evitar mais atritos. O fato é que Evo Morales não tem sobre a Bolívia o controle que imaginava ter depois de vencer as eleições presidenciais no primeiro turno. Seu projeto de "refundar" o país por meio de uma Assembléia Constituinte, na qual teria entre 70% e 80% dos parlamentares, foi parcialmente frustrado pelo eleitorado. Controlando 53% das cadeiras, resta-lhe tentar - como está fazendo, sob protestos da oposição e de boa parte da opinião pública - um "golpe branco" para reduzir de dois terços para maioria simples o quórum de aprovação da futura Constituição. Por inépcia administrativa, seu governo não consegue concretizar a estatização do setor de petróleo e gás. As principais negociações com a Petrobrás estão paralisadas desde final de junho. Nomeou diretores para as refinarias da Petrobrás, mas elas continuam sob gestão brasileira. O relacionamento com as empresas estrangeiras tornou-se, literalmente, caso de polícia - forma encontrada pelo governo para demonizar as empresas "espoliadoras" e "assassinas" e encobrir a falta de capacidade para completar a encampação. Há mandados de prisão para três executivos da Petrobrás. Os escritórios da Repsol foram invadidos duas vezes pela polícia, em busca de "documentos comprometedores". Para completar esse quadro, Evo Morales está sendo obrigado a tragar o veneno que usou para derrubar três governos. Os chamados "movimentos sociais" que o elegeram estão perdendo a paciência e, após breve trégua, reiniciam as suas atividades favoritas: greves, bloqueios, invasões. Há cerca de 10 dias, índios guaranis tomaram a estação de controle do gasoduto que liga a região produtora do Chaco ao Gasoduto Bolívia-Brasil. Ameaçam fazê-lo novamente. Esta semana, sacoleiros cortaram o fornecimento de gás para a Argentina durante 14 horas. Greves pipocam em La Paz e Cochabamba. Desta vez, Evo Morales é a vidraça.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/01/2006 12:09:00 PM |
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