Por Augusto Nunes no Jornal do Brasil Tão eficaz quando convém aos chefes, a Polícia Federal tem agido com afrontosa indolência no caso de Francenildo Costa, o caseiro cujo sigilo bancário foi violado por Antonio Palocci. Se o castigo interessasse ao ministro Márcio Thomaz Bastos, Palocci já estaria conhecendo por dentro as modernidades da cadeia federal de Catanduvas. Mas o marechal civil de Lula é um detetive muito cauteloso. Márcio sabe que, ao perseguir o estuprador de contas correntes, vai acabar laçando "o grande irmão", "o companheiro muito querido" do presidente da República, que também promoveu Palocci a "melhor ministro da Fazenda da história deste país". O delinqüente parece acreditar que tais superlativos o dispensam de explicações à Justiça. Em vez de tatear o improvável atalho da inocência, Palocci anda por aí caçando votos. Em campanha por uma vaga na Câmara dos Deputados, já perdeu gramas de gordura escalando palanques. Duas vezes prefeito de Ribeirão Preto, comandante da política econômica por quase três anos, imagina voltar ao Planalto a bordo do que considera um currículo e tanto. Pode naufragar no prontuário bem mais caudaloso.
Apesar da velocidade de calhambeque das apurações, imposta por federais amigos, o estupro da conta do caseiro juntou-se ao baú que amontoa pilantragens protagonizadas por Palocci como prefeito ou ministro. A 20 dias da linha de chegada, o carreirista eleitoral prepara-se para contornar sete denúncias - sete obstáculos alicerçados em distintos artigos dos códigos legais. Somados, compõem um vistoso painel fora-da-lei: formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica, peculato, prevaricação, quebra de sigilo funcional e quebra de sigilo bancário. (Sigilo de terceiros, claro; o próprio, esse Palocci não revela nem à mãe). Em paragens civilizadas, homens assim são fortíssimos candidatos a um catre. Nestes grotões, disputam cadeiras no Congresso. E com chances. É o Brasil. E se o dono de tão notável folha corrida for eleito deputado federal (triunfo que lhe garantirá, de quebra, abrangentes imunidades parlamentares)? Será correto deduzir que o réu Antonio Palocci terá sido inocentado pela onisciente justiça popular? Claro que não, ensinou o jornalista Reinaldo Azevedo em ensaio publicado na revista Veja da semana passada. "Urna não é tribunal", avisou o ensaísta. "Não absolve ninguém". Só elege. Ponto. Imunidades parlamentares podem até remeter a foros especiais, mas não são salvo-conduto para pecar impunemente. Nenhum mandato eletivo livra o titular das sanções prescritas para crimes que não prescrevem. Se Palocci escapar da merecida punição nas urnas, nem por isso estará livre do acerto de contas com os tribunais. É esse, também, o caso de Lula. Pode o PT choramingar à vontade. Podem os lulistas, declarados ou enrustidos, declamar o mau decassílabo segundo o qual "pedido de impeachment é golpismo". Podem os articulistas de uma nota só cantarolarem o Sambinha do Terceiro Turno. As investigações precisam continuar. Lei existe para ser cumprida. "Nixon teve de renunciar ao segundo mandato por causa de uma besteira feita no primeiro", lembrou Reinaldo Azevedo. Nada impede que Lula tenha o destino de Richard Nixon, reeleito pela vontade de mais de 60% dos americanos. Se Lula for vitorioso em outubro, será democraticamente empossado. Se a Justiça concluir que pecou, será democraticamente castigado. Ninguém está acima da lei.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/12/2006 01:27:00 AM |
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