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A DOUTRINA JEFFERSON
Editorial em O Estrado de São Paulo
Primeiro dos três senadores acusados de envolvimento no escândalo dos sanguessugas a depor no Conselho de Ética, o ex-líder do governo Ney Suassuna, do PMDB paraibano, recorreu ao milenar estratagema de culpar o mensageiro pelas más notícias que trazia, ao alegar que não teve parte com o esquema da compra de ambulâncias superfaturadas. 'Há 131 dias eu venho sendo atacado em espaços grandiosos (sic) nas páginas dos jornais. Estamos vivendo uma época de psicose da imprensa', diagnosticou, com a voz apropriadamente embargada. 'Daqui a pouco ninguém mais vai querer ser senador', vaticinou o candidato à reeleição. Deus o ouça, é o caso de dizer, se se entender corretamente o que ele quis dizer com o eufemismo 'ninguém'.
É uma história sintomática a da apontada participação de Suassuna no negócio das comissões presumivelmente pagas pela família Vedoin a sete dezenas de parlamentares pelas emendas ao orçamento federal que configuraram um gasto espúrio de R$ 110 milhões, ao que se apurou até aqui. O senador não nasceu ontem. Ele jamais teve contatos pessoais com os Vedoins. Conforme os copiosos depoimentos dos mafiosos à Polícia Federal, o seu interlocutor era o então assessor do gabinete de Suassuna, Marcelo Cardoso Carvalho, a quem teriam pago R$ 225,5 mil a título de propina pelas emendas do chefe. Se ele lhe repassou a bolada, não se sabe. Provas não há. Mas o fato é que as emendas foram apresentadas e produziram os resultados desejados.
O aspecto apimentado do episódio é um ofício do senador ao Ministério da Saúde, de dezembro passado. A mensagem pede a liberação de R$ 3,6 milhões para a compra de ambulâncias destinadas a municípios. Procurado por uma funcionária do Ministério, Suassuna teria ficado surpreendido. 'Isso eu não pedi, não', disse ao Conselho de Ética. 'Pode ser que assinei sem ler. Pode ter passado na correria do dia-a-dia.' De todo modo, ainda segundo a sua versão, perguntou ao assessor o que havia acontecido. O funcionário respondeu que foi um equívoco e ele deixou por isso mesmo, embora um laudo solicitado pelo próprio Suassuna atestasse que a assinatura era uma falsificação. Só cinco meses depois, em maio último, o senador abalou-se a demitir Carvalho - quando ele foi preso.
É assim que funcionam as coisas nos desvãos do Legislativo, por onde figuras notórias como a de Suassuna são capazes de locomover-se de olhos vendados. Mas ele deu azar - menos pela delação dos Vedoins do que por ser quem é o relator do seu processo no Conselho de Ética. Trata-se do pedetista Jefferson Péres, vice na chapa de Cristovam Buarque, cujo desgosto pela complacência de muitos com a corrupção o levou recentemente a anunciar que deixará a vida pública ao término do seu mandato, em começos de 2011. Anteontem, depois de argüi-lo e ao prometer que entregará o seu parecer até a próxima quarta-feira, Péres declarou que 'não há nada que indique que ele tenha se beneficiado da propina recebida por seu assessor'. Mas então completou, criando o que se pode chamar Doutrina Jefferson:
'Para atentar contra o decoro parlamentar, não é preciso cometer um ilícito penal. Um senador pode quebrar o decoro por muitas outras ações ou omissões.' Com isso, deixou claro que pedirá a cassação de Suassuna. Para o combate à corrupção política, a palavra que mais vale a pena destacar da fala do relator é a última: omissões. O caso do mensalão, por exemplo, é claro como o sol do meio-dia. Não há nada que indique que o presidente Lula tenha se beneficiado - à maneira dos sanguessugas, bem entendido - das propinas pagas por seus companheiros a um certo número de deputados ou das suas retiradas no valerioduto para abastecer os respectivos caixas 2. Mas ele não conseguiu demonstrar que tomou alguma iniciativa para dar um basta ao esquema, do qual teve - no mínimo - conhecimento.

Alertado por outro Jefferson, o Roberto, teria ido às lágrimas. Alertado pelo governador tucano de Goiás, Marconi Perillo, teria retrucado, decerto com os olhos secos: 'Cuide dos seus deputados que eu cuido dos meus.' Mas não cuidou: omitiu-se. Na sua primeira - e relutante - manifestação a respeito, numa reunião ministerial transmitida pela TV, Lula disse que se sentia traído. No Conselho de Ética, falando do ex-assessor Marcelo Carvalho, o senador Ney Suassuna garantiu que não tinha motivos para desconfiar dele. E emendou: 'Mas nem Cristo escapou da traição.'


Editado por Giulio Sanmartini   às   9/14/2006 07:58:00 AM      |