Por Dora Kramer em O Estado de São Paulo Há três anos dava-se oa luxo de ignorar denúncias sobre carglos especiais A extinção parcial de um dos vários cabides de emprego da República - a demissão de metade dos mais de 2 mil funcionários contratados na Câmara dos Deputados sem concurso sob a rubrica Cargos de Natureza Especial - é o tipo da decisão demonstrativa da utilidade de uma boa crise, notadamente quando ela causa prejuízos aos agentes das sinecuras. Não tivessem os últimos escândalos levado à exaustão o limite de tolerância com os desmandos patrocinados nas igrejinhas montadas nas estruturas da administração pública, ninguém teria mexido com os apaniguados de suas excelências. Hoje suas demissões são tidas pelo presidente da Câmara, Aldo Rebelo, como uma necessidade em face da 'defesa da moralidade da Casa, que tem responsabilidade em relação ao País e precisa ter um comportamento exemplar'. Há exatos três anos, seu antecessor e aliado (Rebelo era então líder do governo do qual viria a ser ministro), João Paulo Cunha, defendia idéia oposta. Reagiu à série de reportagens da Folha de S. Paulo publicadas a partir de agosto de 2003, qualificando o questionamento a respeito da existência daqueles contratados de agressão à atividade parlamentar e considerando as denúncias um desserviço à democracia. Ato contínuo, João Paulo tripudiou: consultou o Tribunal de Contas da União sobre os tais cargos de natureza especial e obteve não apenas o aval para mantê-los, como os ministros decidiram por unanimidade que os nomeados poderiam trabalhar em outros Estados. Era ainda um tempo de confiança ética no governo do PT e João Paulo dava vazão, sem ser contestado, a toda sorte de distribuições de benesses (pelo que se descobriu depois, não era o único a distribuí-las) aos deputados, a fim de obter sucesso em seu depois fracassado (por 5 votos) plano de obter o direito à reeleição para a presidência. A abertura de espaços para que os deputados acolhessem ainda mais funcionários, além daqueles que a verba extra de R$ 35 mil (à época) lhes permitia contratar, foi apenas uma delas. Deu direito à liderança a partidos regimentalmente impedidos, abriu espaços em comissões aos compadres, fez favores à tripa forra, totalmente engajado no projeto do Executivo de fazer prevalecer a força do baixo clero, acreditando, assim, conseguir impor a sua na base do fisiologismo. Esse o campo de cultura onde foi semeado o mensalão e depois colhida a eleição de Severino Cavalcanti para presidir a Câmara. Louve-se a atitude do atual presidente ao tomar a (meia) medida. Mas é preciso não perder o senso crítico nem a memória ao ponto de esquecer que Aldo Rebelo ocupa a presidência da Câmara há um ano e deixou a situação vigorar, a despeito das cobranças constantes - desde o início de 2004 - do Ministério Público para que fosse revisto o sistema de contratações na Casa. A solicitação do MP referia-se notadamente aos cargos especiais, cuja especialidade única é a de contribuir para a inversão do conceito da confiança pública: a confiabilidade é referida na proximidade do contratado com o contratante direto e não na credibilidade funcional devida ao público pagante (de impostos). Durante todo esse tempo, a questão dos CNEs foi deixada de lado. Em agosto, Aldo Rebelo negou informações sobre esses cargos, novamente cobrada por procuradores da República. Eles queriam a lista dos contratados e respectivos salários, mas a direção-geral decidiu só atender a solicitações diretamente feitas pelo procurador-geral. Só de posse dessa listagem o Ministério Público poderia prosseguir suas investigações sobre a legalidade das contratações. Isso aconteceu há cerca de 20 dias e, enquanto o procurador responsável pelo caso aguardava uma manifestação do procurador-geral, anunciou-se a demissão de metade dos contratados. Uma decisão premida pela necessidade de denotar iniciativa antes que ela partisse da procuradoria. Foram-se os cargos nos Estados, mas ficaram os lotados em Brasília, o que não resolve o princípio da deformação e ainda dá a impressão de que a Câmara entregou os anéis ante a iminência de perder os dedos.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/14/2006 07:54:00 AM |
|