Por Onofre Ribeiro Toda essa estória de sanguessugas, de mensaleiros, de corrupção generalizada no Ibama, no Incra, não sei mais aonde, etc.etc, é, de fato, dolorosa para todos nós que assistimos a impunidade prevalecer sobre os desvios do dinheiro público. Como a justiça jamais julgará essas pessoas, porque elas podem pagar bons advogados, que conhecem todos os atalhos legais, resta-nos apenas uma compensação: sonhar. Para isso, quero contar duas estórias, que não são sonhos. São bem reais. Bem reais, mesmo! A primeira me foi contada pelo amigo Carlos Avalone, quando era secretário no governo de Mato Grosso. Sua secretaria tinha um programa de micro-crédito. Ele conheceu uma senhora, no Jardim Vitória, em Cuiabá, um dos mais pobres da capital. Ela trabalhava metade do dia como empregada doméstica e na parte da tarde comprava ingredientes para fazer 150 quibes que um garoto vendia no dia seguinte no bairro. Com o dinheiro ela comprava novos ingredientes e vivia.
Avalone perguntou-lhe de quanto ela precisaria para dobrar a produção, já que ela disse que havia mercado, mas não tinha esse capital de giro. Ele pensou em alguns mil reais para que comprasse fogão industrial, geladeira, etc.etc. Ele disse-me que ficou arrasado, quando ela confessou que precisava de R$ 50 de capital para dobrar sua produção e viver. Outra experiência eu vivi pessoalmente. Visitei o mesmo bairro há algum tempo. Vi ruas esburacadas, esgoto correndo a céu aberto, barracos de madeira caindo, casas construídas e não terminadas, casas pela metade, sem reboco, sem janelas definitivas, etc. Mas vi a capacidade daquela gente pobre de avançar, apesar de tudo. Doeu-me, contudo, ver tantos jovens sem emprego vagando pelas ruas, pelos bares e parados na porta das casas. Sem emprego e sem chances de emprego. Uma família tinha um rapaz de 16 anos que havia cometido um pequeno assalto, esteve preso no Complexo Pomeri e voltou. Agora era maior de idade e precisa ir até lá e apresentar-se regularmente. Perguntei-lhe sobre a escola e a chance de emprego. Estava fora da escola e sem chance de emprego. Nada, mesmo! Bom. Agora vamos juntar os pedaços dessas duas estórias e os desvios do dinheiro público. Seria fantástico se a justiça desse a pena mínima a todos os envolvidos nisso. Nada de cadeia, nem de constrangimentos. Mas que os mandasse fazer trabalho comunitário efetivo e fiscalizado para repor moralmente os desvios, nesses bairros semelhantes o Jardim Vitória em todos os municípios. Imagino que nada seria tão punitivo quanto eles verem a dor da pobreza, comparada aos desvios dos recursos públicos que poderiam salvaguardar aquelas pessoas. Mas isso é sonho. Nunca acontecerá por uma série enorme de razões corporativas e até mesmo protecionistas. Nenhum juiz seria capaz disso porque teme o poder político. Mas como seria bom, ver um deputado sanguessuga, por exemplo, carregando um balde de água naquelas ruas esburacadas e empoeiradas para alguma pessoa doente.
Editado por Giulio Sanmartini às 9/01/2006 01:52:00 AM |
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