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BLINDAGEM TRINCADA
Por Dora Kramer em O Estado de São Paulo
Lula pode até ser presidente mais 4 anos, mas o será como cidadão sob suspeita
Ganhando ou perdendo a eleição, o presidente Luiz Inácio da Silva é um cidadão sob suspeita. Sua biografia que, ao menos para consumo externo, foi ao longo de sua vida política um livro em branco no tocante a malfeitorias de ordem pública, ganha máculas e poderá vir a assumir contornos de folha corrida a depender da conclusão das inúmeras investigações em curso.
Todas elas fazem parte do passivo que se acumula e, mais cedo ou mais tarde, lhe será cobrado. Seja como participante ou mandante direto, seja como responsável civil pelas ocorrências num governo sob seu comando. E, em matéria de ocorrências, o plantel é vasto.
Vai do ainda não resolvido caso Waldomiro Diniz até o recente escândalo do dossiê Vedoin e seus derivativos, como repasses de verbas públicas para ONGs amigas até movimentação de dinheiro de origem não explicada, passando pela investigação do superfaturamento de cartilhas-exaltação aos feitos governamentais e, complicação das complicações, o processo já na Justiça sobre a 'organização criminosa' que, segundo o procurador-geral da República, armou-se para manter o PT no poder.
O escândalo mais recente não é, no conteúdo, muito diferente de todos esses outros que, em última análise, pesam sobre as costas de Lula. O quadro agora se agravou porque, em função do acúmulo de acusações e de reações semelhantes por parte dos acusados, a imprensa, a oposição e boa parte da população pararam de dar tratamento condescendente ao presidente da República. Houve uma espécie de basta no faz-de-conta até então em vigor.
A blindagem em torno de Lula foi trincada não porque apareceram envolvidas em ilegalidades pessoas de sua convivência profissional e pessoal. Isso desde o primeiro caso aconteceu.
Em termos de governo, não existe nada mais próximo que a Casa Civil, onde estava lotado o escroque flagrado tentando extorquir um bicheiro - ou 'empresário do jogo', como prefere Carlos Cachoeira na apresentação de suas credenciais - e, em matéria de política e poder, ninguém mais ligado a ele que José Dirceu, o cabeça do pragmatismo dos fins justificam os meios no PT.
De lá para cá, tudo o que aconteceu teve óbvia relação com o presidente da República porque obviamente é ele o maior beneficiário de todas as ações e, ao mesmo tempo, é ele quem permite aos companheiros se beneficiarem da conquista do poder. Trata-se de uma constatação meridiana.
Mas até o caso do dossiê havia como um acordo tácito - baseado em parte no desejo de não se acreditar que Lula, o símbolo, pudesse ter desvios de caráter, em parte no receio de enfrentar as coisas como elas são por conta das conseqüências institucionais imprevisíveis - de preservação da figura presidencial.
Isso não é mau. Ao contrário. Assunto dessa gravidade, tendo em jogo o País, deve ser mesmo tratado com toda prudência e paciência possíveis. Aventar a possibilidade de remoção, mesmo constitucional, de um presidente não é assunto corriqueiro: é preciso dar tempo ao tempo e deixar a própria dinâmica dos acontecimentos cuidar de estabelecer os limites.
O flagrante da armação eleitoral funcionou como uma espécie de gota d'água que, ao cair no copo cheio até a boca, transbordou, dando por finda qualquer cerimônia no trato da questão.
As mentiras repetidas, os truques reciclados, os argumentos gastos, tudo isso esgotou o patrimônio de tolerância de que ainda dispunha o presidente, cuja certeza de que o mundo lhe deve a existência o levou à exorbitância.
Isso não tem nada a ver com popularidade. Diz respeito à credibilidade. Esta se perde aos poucos mas, ao contrário daquela, não se recupera.


Editado por Giulio Sanmartini   às   9/23/2006 02:02:00 PM      |