Editorial em O Estado de São Paulo A política de pessoal do governo Lula está sob o comando dos sindicatos. A afirmação, do consultor de economia do Senado e especialista em contas públicas Marcos Mendes, define bem a maneira como o atual governo está administrando os gastos com o funcionalismo e embute uma advertência séria para o próximo presidente, qualquer que seja o escolhido pelos eleitores. Se o novo governo não conseguir retomar o controle dessa política, a crise fiscal será ainda pior do que a que já vem sendo antevista pelos especialistas e exigirá um ajuste ainda mais profundo e doloroso, se o objetivo for garantir o crescimento econômico com estabilidade. A evolução das contas públicas mostra que um ajuste fiscal será inevitável já a partir de 2007. Em seminário realizado pelo Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, o economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, adverte que o modelo seguido até agora para a obtenção de superávits primários, baseado no aumento constante da carga tributária e na compressão dos investimentos do governo, já está esgotado. Na sua abalizada opinião, esse ajuste chegou ao limite, porque "a sociedade não está disposta a pagar mais impostos nem há mais onde cortar investimentos". Só isso seria mais do que suficiente para tornar urgente a mudança da trajetória das despesas correntes, que crescem ininterruptamente há vários anos. O futuro governo deverá tomar as decisões necessárias "logo depois de tomar posse, quando terá cacife político para adotar medidas impopulares", disse Velloso.
O atual governo vem fazendo exatamente o contrário, com uma política irresponsável na área de pessoal. Garantias asseguradas na legislação impõem aumentos constantes nos gastos com pessoal. Mas, por sua própria decisão, o governo Lula vem aumentando ainda mais essas despesas, que estão crescendo numa velocidade nunca vista desde o início do Plano Real. O governo não apenas elevou o número de servidores, interrompendo a trajetória de redução que se observava desde o início da década passada, como passou a negociar a concessão de aumentos diferenciados e generosos com dirigentes sindicais das carreiras do funcionalismo - daí o consultor Marcos Mendes falar, no mesmo seminário de que participou Velloso, em política de pessoal comandada por sindicatos. Os resultados dessa política são péssimos para as finanças públicas e, sobretudo, para o bolso do contribuinte. Mendes calcula que, só neste ano, as despesas de pessoal deverão registrar crescimento real, isto é, acima da inflação, de 10,2%. Isso equivale a praticamente todo o aumento real acumulado entre 1995 e 2005. É bom ressaltar que esse período inclui os três primeiros anos do governo Lula, quando começou a mudar a política salarial. Em 2003, os gastos com pessoal foram reduzidos, mas nos dois seguintes eles voltaram a crescer de maneira acelerada, até atingir a velocidade máxima em 2006 . Até há pouco, os aumentos se concentravam no Legislativo e no Judiciário. De acordo com números apurados por Mendes, entre 1995 e 2005, as despesas com o pessoal do Judiciário cresceram 133% em termos reais. O governo não tem como evitar benefícios desse tipo concedidos pelos dirigentes dos outros poderes. Mas vinha compensando essa generosidade excessiva com um severo controle de seus próprios gastos com pessoal. O quadro mudou. "O governo está soltando o fiel da balança, perdendo a única âncora dos gastos com pessoal", disse o consultor do Senado ao Estado há algumas semanas. Ele teme que a generosidade do Executivo estimule os outros Poderes e o Ministério Público Federal a agir do mesmo modo. Se persistir a tendência de crescimento dos gastos correntes, entre os quais se destaca a folha de pessoal, haverá uma crise fiscal cuja conseqüência, como apontou Velloso, será a perda da confiança na capacidade do governo de administrar sua dívida, o que pode resultar em fuga de capitais, alta do dólar, aumento dos juros, redução do ritmo de crescimento e, por fim, a recessão. É pouco provável que, se reeleito, o presidente modifique a atual política, pois a utiliza para conquistar prestígio e votos e não demonstrou ter compreendido os riscos que ela embute.
Editado por Giulio Sanmartini às 8/03/2006 08:34:00 AM |
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