A Varig é o retrato do Brasil. Um Brasil atrasado, corrupto, sem vergonha na cara. No Brasil, quem paga as contas dessa sem-vergonhice? Os pequenos, claro. Desorientados, não conseguem ver um milímetro adiante do nariz mesmo com a gigantesca aeronave em queda livre. Mas ainda reúnem forças para, desesperada (disseram que fui pago para escrever o texto anterior) – (vide “Morte sem dignidade” – Direto da Redação 24/06 ) e até mal-educadamente (me chamaram de "petista"! Vade retro!), enviar uma cornucópia de e-mails irados ao colunista rechaçando sua posição - que é, por sinal, apenas mais uma, dentre muitas, e no mar de lama que assola o país, e certamente não influenciará nada, nem para um lado, nem para o outro. Mas é bom que sirva de registro histórico da safadeza em andamento.
A situação da Varig - uma empresa privada - é periclitante, e é óbvio que ninguém de bom senso quer ver empresa nenhuma dando com os burros (nesse caso os aviões) n'água. Reiterações acacianas à parte, faz-se mister atentar para o seguinte: o juiz encarregado recusa-se a declarar a falência da empresa, e acha que tudo pode ser resolver com um novo "leilão". Note, leitor(a), que a palavra "leilão" está entre aspas. O juiz dá inúmeras chances a "uma das empresas interessadas" para se articular. Uma rapidíssima movimentação de bastidores permite que a "empresa interessada" - a VarigLog, comprada pela norte-americana Matlin Patterson - tenha sua venda finalmente sacramentada para que ela (VarigLog) possa sair atrás da Varig.
Imagine agora, leitor(a), que um leilão seja, de verdade, uma disputa aberta (pelo menos, é o que parece ser em qualquer lugar do mundo). Até mesmo você e eu podemos participar. Quem sabe um de nós consegue furar o suposto esquema em andamento nos dias de hoje - e amplamente veiculado pela internet - e recebe uma bolada da Mega Sena? Podemos muito bem, você e eu, ir lá, diante do juiz Ayoub, comprovar a origem da grana (algo que a TGV, turbinada por sócios secretos, não foi capaz no primeiro "leilão") e competir de igual para igual no segundo "leilão" com a pretendente da vez, a VarigLog.
Em tese, significa que, se apresentarmos uma proposta mais atraente, você e eu poderemos ser os novos donos da Varig. Não seria legal termos a chance de salvar a empresa de vez? Pois é. Então. como é que, antes de se realizar o "leilão", a VarigLog já vai injetando milhões de dólares numa empresa que não é sua - ainda, pelo menos? Está tudo errado. A picaretagem e o jogo de interesses de cachorros grandes é de altíssima octanagem. Tem treta aí. E os bravos funcionários, aposentados e o público em geral, "porque-me-ufano" da Varig, são empurrados de um lado para outro, sem saber para onde ir.
Numa economia de mercado séria, onde as regras de oferta e procura são seguidas à risca e a corrupção nos processos de licitação (pública ou não) é reduzida a um mínimo, geralmente castigada com pesadas penas de prisão e multa, o desesperador processo de sangria da Varig em praça pública comandada pelo pobre juiz Ayoub - ele próprio, ao que parece, também vítima do jogo de interesses, empurrado de um lado para outro nessa estória rocambolesaca (a esta altura, seria impensável uma visita do "homem da mala" ao seu gabinete) - nunca seria uma opção.
A situação da Varig é o retrato do Brasil atrasado e corrupto, ainda confiante, no ano da graça de 2006, em "jeitinhos" que beneficiam apenas a uns poucos. O próprio governo que está aí é um retrato disso: recebedor do poder popular para buscar o fim das brutais desigualdades sociais, usou a Lei do Menor Esforço e ampliou o bolsa- esmola, não sem a desfaçatez de afirmar que o pobre "não dá trabalho", quer apenas "um pedaço de pão".
Enquanto isso, a coqueluche dos atrasados políticos tupiniquins é uma quase-peça de museu: um tele-prompter usado há décadas pelos presidentes dos EUA que praticamente convencem a platéia (no local ou em casa) que o poderoso de plantão sabe do que está falando. Lamentável. Acorda, Brasil!