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PESPECTIVA SUICIDA
por Osiris Lopes Filho (*) na Tribuna da Imprensa
O reajuste de vencimentos dos servidores federais feito pela edição temerária de um pacote de providências normativas, aprofunda uma crise que vem se avolumando desde o início da década de 90, instalada pelo governo Collor. Este governo, oportunisticamente, resolveu identificar no servidor público a responsabilidade pela insuficiência da ação governamental na prestação dos serviços públicos que incumbe ao governo federal realizar.
Realmente o governo Collor teve sucesso nessa empreitada de transformar a vítima - o servidor público - em algoz. Com o apoio da mídia, conseguiu, pela propaganda oficial, sensibilizar parte significativa da população de que a responsabilidade pela má qualidade do nosso serviço público era atribuível ao servidor.
A partir daí o reajuste, e não aumento de vencimentos, como tem sido propalado, passou a ser inferior aos índices de inflação. Os servidores públicos tiveram reajustes pequenos, com a conseqüente perda do poder aquisitivo da sua remuneração. Essa política de contenção dos gastos públicos, mediante arrocho salarial do servidor público, acentuou-se no governo Fernando Henrique. Justiça seja feita ao governo Itamar, que observou o preceito constitucional de periodicamente reajustar tais vencimentos.
Parte importante do corte da despesa pública no governo Fernando Henrique, por oito anos, foi realizada pela correção insatisfatória da remuneração do servidor público. Eleito o presidente Lula, a situação se agravou. Chegou-se a reajustar tais vencimentos, em fórmula geral, em 0,1%. Culminação da política suicida de recursos humanos.
No afã de amealhar recursos para compor o tal "superávit primário", esqueceu-se o governo federal de que quem exerce a prestação de serviços públicos é o servidor público. Governo fixa política, traça diretrizes, estabelece metas. Todavia, quem executa e materializa tais políticas é o elemento humano, o servidor público. Desprestigiado, desvalorizado, mal pago, é evidente que o seu desempenho fica comprometido no presente e condenado, irremediavelmente, no futuro, a níveis de qualidade e satisfação cada vez mais decrescentes.
É que a política remuneratória vexaminosa praticada pelo governo comprometeu a qualidade do ingresso de novos servidores, pela via do mérito, apurado em concurso público. E o governo Lula é responsável por dramática reversão de expectativas. Seu partido, na oposição de então, galvanizou as esperanças de mudança desse arrocho remuneratório. Todavia, os reajustes que concedeu foram michos.
Em ano de reeleição, pretendendo obtê-la, custe o que custar, é evidente que reverteria o arrocho remuneratório que tinha praticado, para cativar o funcionalismo público. E fê-lo temerariamente, como já foi qualificado lá no inicio. É que a Lei Eleitoral prevê o prazo de 180 dias antes das eleições para se fazer a revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda do seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição (art. 73, VIII, da Lei nº 9.504/97).
A propósito desse pacote, o ministro Marco Aurélio, presidente do Superior Tribunal Eleitoral, já tinha se posicionado contra a adoção de medidas eleitoreiras como esse reajuste, pois a "premissa é a de que a máquina administrativa não pode ser utilizada para êxito na campanha".
A realidade é a de que o atual governo federal tem uma dinâmica própria, que dá pouca importância ao nosso ordenamento jurídico.
Atua para a platéia, vale dizer, a opinião pública, e quando deve assumir responsabilidades alega amnésia ou desconhecimento dos fatos. Ministério Público e parcela do Judiciário não se entusiasmam com tais manifestações. E o que resulta desses fatos, que se vão acumulando, é a transferência para o Judiciário de um elenco de problemas jurídicos que têm necessariamente tramitação morosa, mas que poderão ter desfecho explosivo durante o novo mandato presidencial, se ocorrer a reeleição.
Judiciário independente e cônscio de seus deveres pode constituir Calvário para o trajeto que se supunha exitoso de um segundo mandato presidencial.
(*) advogado


Editado por Giulio Sanmartini   às   7/03/2006 04:56:00 AM      |