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REEELEIÇÃO DE LULA TRAZ RISCOS, DIZ GABEIRA
por Fernando Sampaio na Tribuna da Imprensa

Deputado alerta para a hipótese de o segundo mandato ser ainda mais turbulento
Ao analisar o contexto da crise política no País, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) alertou que a reeleição do presidente Lula, sem que os problemas acontecidos no governo sejam realmente avaliados e superados, pode trazer muita instabilidade ao País no próximo período. Segundo ele, "existem elementos de instabilidade muito claros no horizonte".
Tais fatores não estariam relacionados apenas ao plano econômico mundial, por conta das dificuldades que surgem no horizonte dos Estados Unidos. Mas também por questões que, neste primeiro mandato, não fora equalizadas. Sobretudo o relacionamento do Palácio do Planalto com o Congresso, no que se refere à formação de sua base de apoio - conquistada, como já se viu nos últimos meses, pela via fácil do mensalão.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Dá para definir esta série de escândalos?
FERNANDO GABEIRA - Significam, na verdade, o fracasso da perspectiva vitoriosa em 2002, que, entre outras coisas, chegou ao governo com a promessa de evitá-los. Passamos na história recente do Brasil por vários escândalos. Alguns resultaram na cassação do Collor, outros resultaram na cassação do mandato de um presidente da Câmara e de muitos outros, que foi o escândalo dos Anões do Orçamento.
Portanto, pensávamos que em 2002 essa situação seria atenuada. Na verdade, o que se percebeu é que o grupo que pensava mudar e tinha como bandeira a ética, acabou permitindo que a situação voltasse ao estágio anterior, um pouco piorado, porque agora nem os vigilantes que eram existem mais.
O que fazer para colocar um freio nisso?
Existem duas correntes que discutem essa questão. Uma corrente enfatiza o trabalho moral, a melhoria das pessoas. Outra corrente, a mudança das regras do jogo. Eu sou mais favorável a essa corrente que enfatiza a mudança nas regras. Precisamos, por exemplo, e daríamos um passo muito grande, se chegássemos a uma transparência em todas as licitações públicas feitas pela internet. Essa transparência podia ser estendida também a todos os documentos do governo, que hoje não são expostos no nível necessário.
Outro aspecto, que acho que seria importante, é reduzir os cargos de confiança dos grupos que chegam ao governo. Nos Estados Unidos, tem quatro mil cargos de confiança. Aqui no Brasil, mais de 25 mil são preenchidos. Isso significa a ocupação pelos partidos da máquina do Estado e é uma fonte permanente de corrupção para alimentar as campanhas eleitorais.
Um terceiro ponto, que acho fundamental na mudança das regras desse jogo, é proibir a propaganda governamental. O governo não precisa fazer propaganda, a não ser que tenha uma campanha de utilidade pública, de vacinação ou alguma coisa nesse sentido. Mas, fora disso, não há razão para o governo gastar dinheiro com publicidade.
Qual o seu alerta diante da tanta corrupção?
Estamos trabalhando para levantar agora um processo de corrupção muito grande, que foi a "máfia dos sanguessugas". Então, em nosso espaço, estamos lutando permanentemente para que esses temas sejam esclarecidos e levados à opinião pública. Dadas as circunstâncias do Congresso hoje, acredito que não teremos condições de punir muita gente, porque os deputados se amparam no voto secreto para absolver companheiros. No entanto, acho que poderemos revelar à opinião pública, até outubro, um pouco como cada um se comportou, sobretudo esses envolvidos na "máfia dos sanguessugas". E vamos deixar a opinião pública e os eleitores com essa tarefa também de melhorar um pouco do Brasil adiante. Quer dizer: sem a participação atenta, consciente do eleitor, essa situação dificilmente será alterada.
E o descrédito das instituições e das autoridades?
Esse descrédito não acontece só no Brasil. Existe já um processo permanente de decadência da política, acentuado pela predominância dos mercados e a indiferenciação das correntes. Quer dizer: quase todas as correntes políticas se submetem ao mercado e passam a trabalhar em função da estabilidade. Em alguns países avançados você tem um alto nível de abstenção, indicando que a democracia representativa está em crise.
No Brasil, isso é muito agravado pelo fato de que as coisas são feitas mais às claras e com mais deboche por parte dos governantes. Então, a reação da população também é muito grande. Acho que diante dessa situação é preciso não só votar melhor, como estabelecer um controle cada vez maior dos governantes, e também um diálogo permanente da democracia representativa, da democracia direta. Permitir que as pessoas votem diretamente em situações muito importantes, referendando uma decisão do Parlamento.
Que balanço o senhor faz das CPIs?
Provocaram muita agitação política, levantaram muitas denúncias, mas infelizmente não puderam ser completadas pela punição dos culpados, no nível político da Câmara. Nós tivemos proporcionalmente aos denunciados muito poucos cassados. A nova CPI, que apura a compra superfaturada de ambulâncias e estamos realizando agora, pretende corrigir alguns desses erros. Pretende ser muito mais uma reportagem, do que uma telenovela, entende? Pretende muito mais trabalhar com os dados do que com as emoções e com apresentações de TVs. Mas acho que as CPIs são necessárias e que temos apenas de vê-las de uma maneira diferente. Vê-las de uma forma mais profunda, utilizar mais a informática e fazer menos representações diante das câmeras.
E a imagem do Congresso? É uma desmoralização.
Está muito abalada. Foi abalada pelo mensalão, pela falta de produtividade e, agora, finalmente abalada pela existência da máfia dos sanguessugas. Tudo isso faz com que as pessoas considerem a Câmara e os deputados que estão lá pessoas indesejáveis. Pensamos que o Congresso ainda é uma instituição necessária para o País. Pensamos que é necessário salvá-lo estrategicamente. Por isso um pequeno grupo está resistindo, na expectativa de que no próximo mandato venham outros e fortaleçam essa resistência e a gente consiga mudar.
E o governo Lula nesse contexto?
Foi muito responsável pelo processo. Primeiro, se intitulou ético e que ia, senão acabar, pelo menos reduzir a corrupção. E, de fato, se você examinar o trabalho da Polícia Federal, aumentou o volume de inquéritos, batidas, enfim, de apurações sobre corrupção. Mas o próprio governo desenvolveu um processo de corrupção através do mensalão, que foi um processo extremamente grave. Desenvolveu ainda um processo de corrupção através da publicidade oficial, que também considero grave.
Também teve uma atividade inadequada, no meu entender, no controle dos fundos de pensão - também grave. Então, essas frentes, através das quais o governo gastou dinheiro, uma delas para manter um apoio no Congresso e garantir campanhas eleitorais futuras, me parece que mostraram que o governo é semelhante a todos os outros que entraram. Uma vez instalado no poder, a principal preocupação é como continuar no poder e como obter através dos recursos oficiais ou da importância das empresas oficiais o dinheiro necessário para se perpetuar no governo.
Como situar o PT?
O PT sofreu muito na crise. Em primeiro lugar, porque parte dele abandonou as fileiras e outra parte não conseguiu resistir internamente ao processo que estava acontecendo. Outra parte também, pura e simplesmente, aderiu e procurou tirar o melhor proveito possível. Então, o PT, que tinha a promessa de ser uma grande novidade, acabou repetindo os erros que outros partidos repetiram. Perdeu essa condição de ser a grande novidade na política brasileira e de representar uma mudança que era desejada por todos. Ele passou a ser um partido como os outros são.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato, crê que tem de se "reproclamar" a República para impedir o avanço da corrupção.
No que ele quer dizer "reproclamar" a República, é que haja o triunfo dos republicanos sobre os patrimonialistas. Em outras palavras: o triunfo dos honestos contra os ladrões. Mas isso é muito difícil, porque o número de pessoas que entram na política com o objetivo de ganhar dinheiro e fortalecer o patrimônio é muito grande. E o número de pessoas que consegue sobreviver na política lutando pela causa pública é cada vez menor.
Mesmo porque as eleições são uma prova extremamente cruel (risos) dessa situação: quem tem dinheiro se dá bem e quem não tem dinheiro desaparece na campanha. Então, isso faz com que aqueles que se dedicam a usar a política como uma fonte de renda e de patrimônio acabem prevalecendo. Portanto, é difícil mudar essa lógica, "reproclamar" a República: isto é, entregar a República para os republicanos. Mas não devemos desistir porque existem também fatores novos.
Acho que o fato de a televisão ter coberto muito a crise política, o fato de estarmos já em tempo de internet, em que o nível de informações de um setor é maior e a capacidade de desmentir as mentiras é muito mais rápido do que no passado, tudo isso traz alguma esperança de que possamos chegar realmente a uma república no Brasil.
Qual é o panorama para as próximas eleições?
Difícil de prever, uma vez que todo o País está muito concentrado na Copa do Mundo, e só vamos sentir realmente o espírito da população depois. Existem, evidentemente, pesquisas iniciais que são muito significativas, mas já vimos também no referendo sobre as armas. Muitas vezes as pesquisas antecipadas não conseguem se manter depois que o processo de discussão e de entrada da televisão toma conta da cena. Então, acho que só vamos sentir o espírito, a perspectiva mesmo dessa campanha política, quando acabar a Copa, os candidatos se apresentarem e iniciar o debate político. E evidentemente, não já no princípio, mas crescentemente, as pessoas vão se informando e vão definindo seus caminhos. Então, se considerarmos o momento, Lula é o favorito. Ele conseguiu através de programas sociais melhorias da renda do trabalhador este ano. Uma boa base popular que lhe dá a possibilidade não só de estar no segundo turno, mas de vencer no primeiro.
Agora, uma vitória do Lula, sem que os problemas acontecidos no governo dele sejam realmente avaliados e superados, pode nos trazer muita instabilidade no próximo período. Existem elementos de instabilidade muito claros no horizonte. Primeiro, a necessidade da própria economia americana se reajustar, com repercussões no mundo inteiro. O segundo é o fato de que essa questão da reforma agrária está muito colocada.
Na verdade, não há possibilidade de se satisfazer as aspirações do Movimento dos Sem-Terra. Vamos ter muitos conflitos ainda. E o terceiro ponto, também importante de instabilidade, é que tudo indica que a violência urbana vai crescer. Nós teremos mais assaltos, mais choques, mais motins nos presídios, uma vez que as políticas dos governos federal e estaduais se mostraram insatisfatórias para conter essa onda.
A pobreza, aliada à violência, corrói o tecido social. Como reverter isso?
Tem que ser atacada de duas maneiras. No combate, e nesse sentido é importante ver que existem também duas correntes: é gente que gosta dos pobres, como nós gostamos, mas tem gente que gosta da pobreza porque mantém os pobres como clientes por perspectivas políticas. Nós temos que, primeiro, resolver decididamente a questão de mais desenvolvimento no País para abrir oportunidades. E segundo: temos que ter um projeto de segurança adequado, porque se formos esperar resolver a questão de segurança quando resolver o problema da pobreza, vamos andar muitos anos sem que essa questão seja questionada adequadamente. Não quero dizer que você vá resolver o problema da segurança, mas pode torná-lo mais administravel do que é hoje se houver planos, dinheiro, vontade, coisas que estão faltando.
Como o senhor analisa a desigualdade de renda?
É um dos grandes estigmas do Brasil. A verdade é que nos últimos anos vem caindo. Num ritmo pequeno, mas caindo. Tudo indica que no futuro do Brasil essa questão estará mais bem resolvida porque a tendência de queda na desigualdade vem do governo Fernando Henrique, e foi acentuada agora no governo Lula. Tudo indica que caminharemos para superar essa grande divergência, mas, evidentemente, para isso é preciso de políticas e de muita decisão para obtermos esse resultado.


Editado por Giulio Sanmartini   às   7/03/2006 01:16:00 AM      |