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INDEPENDÊNCIA
Por Ralph J. Hofmann

As massas de imigrantes que se deslocaram da Europa para as Américas no início do século vinte com raras exceções não costumavam ser recebidas por um comitê que lhes garantisse sua subsistência.
Basta lembrarmos o filme “Gaijin” e a série “Anarquistas Graças a Deus”. Essas obras simples e acessíveis deram uma idéia do que foi o início da vida destas pessoas neste país. Mas vejam aonde chegaram após cinqüenta anos no país. Desde a década de cinqüenta nisseis e descendentes dos anarquistas italianos tem uma presença importante no Brasil. Desde os descendentes de colonos até os “anarquistas doces” de Zélia Gattai que acabaram criando indústrias em São Paulo.
Certo colono alemão, algo mais educado que a norma, mas que nunca passou de modesto professor no vale do rio Caí no Rio Grande do Sul escreveu um relato da imigração para seus descendentes. Na introdução chamava a atenção de seus netos e bisnetos para o fato de que não haviam saído da Europa por alguma cisma. Haviam abandonado um lugar onde eram uma escória sem oportunidades de progredir por seu próprio esforço. Nas Américas haviam encontrado um campo fértil para exercer sua individualidade e progredir.
Nos anos trinta do século vinte formou-se uma nova enxurrada de imigrantes que não se deteve até anos após a segunda guerra mundial. Hoje encontramos os filhos dessas pessoas nos países que os aceitaram, produzindo riquezas. Mas novamente o início foi árduo. Engenheiros, advogados e médicos carregaram tijolos em obras ou trabalharam como sapateiros. Os melhor adaptados para reiniciar suas vidas sob essas condições não eram necessariamente os que tinham mais escolaridade. Fossem lavradores espanhóis das brigadas republicanas, gregos e iugoslavos fugidos dos embates entre facções nos seus países, fossem o que fossem, foi sua disposição de vencer e pensar por si mesmo a chave da criação de uma lar numa nova pátria.
Não era necessariamente uma busca da fortuna. Era uma busca de vida digna. Exatamente como fora a busca dos primeiros imigrantes alemães, italianos e japoneses do início do século.
Enquanto o país cresceu esse mesmo espírito de busca de melhoria sobreviveu entre todas as comunidades pobres do país. Havia uma migração interna de dentro dos bolsões de pobreza para a vida urbana remunerada e o progresso, mesmo com as condições longe de ideais. Nossa década perdida dos anos oitenta causou uma arrefecida nas histórias de sucesso, mas ainda assim afloraram pessoas que progrediam, transformavam suas favelas em casas, educavam seus filhos.
O assustador nos atuais movimentos de sem terra e assemelhados é que sentimos que as pessoas se rendem a um conceito de que o estado terá de substituir o esforço pessoal para progredir. Um estado que já confisca uma parcela tão grande dos rendimentos do país sem conseguir efetivamente atender a todos que desencoraja o progresso pessoal. Quanto mais o homem trabalhador contribui para com a sociedade, mais lhe é confiscado. Quanto mais é doado aos movimentos de sem terra menos as pessoas ali refugiadas fazem esforços para achar outras soluções para suas vidas.
Pior do que isto é o fato de que se desenvolveu uma nítida hostilidade aos que buscam desenvolver soluções para sociedade como um todo. Surgem hostilidades aos que efetivamente produzem, como se estivessem se apropriando do futuro dos que estão sentados comendo o pão e o vinho do governo.
A burocracia crescente também tende a matar a iniciativa. Projetos bem e morrem precocemente devido ao excesso de burocracia que se estabeleceu para evitar que um único centavo escape das mãos sequiosas dos cobradores, que depois gastam a receita ao arrepio das boas normas.
Olhando para trás, para o que aconteceu no século passado vejo que no país que Stephan Zweig batizou de “País do Futuro” havia uma impressionante vitalidade, havia imigrantes recentes, descendentes de portugueses, índios e negros interagindo em todo o país e arrancando o país do atraso com todas suas energias. físicas e mentais.
Temo que, assim como aconteceu na Inglaterra depois de 1945 o Brasil caia numa apatia que permitirá que escorreguemos mais atrás do resto das grande nações do que estamos hoje. A verdade é que na década passada estávamos novamente criando oportunidades para as pessoas inspiradas e aventureiras.
Mas há uma apatia, um medo, dominando o país. As próprias estatísticas que demonstram uma queda muito lenta da popularidade de um presidente comprovadamente perdulário, despreparado e preguiçoso cercado de seus pares igualmente despreparados e mal intencionados apontam para um medo de mudar, medo do desconhecido, medo do futuro sem o “jeitinho” nacional, sem a “cesta básica”, e talvez em muitos casos, medo de cinco dias de trabalho por semana.
Vinte e cinco anos atrás levei clientes estrangeiros para dentro da fábrica onde eu trabalhava. O presidente da empresa-cliente entrou na planta. Estacou e exclamou: “O que é que isso? “ Perguntei qual era o problema e ele respondeu:
“Há muitos anos não vejo pessoas trabalhando assim, animados e com élan! Vamos fazer negócios!” Saltava aos olhos. Nosso pessoal era diferente.
Imagine se eu tivesse entrado na fábrica e nosso pessoal fosse apático. É onde está o perigo. E a apatia dominou boa parte dos países em que não se permitiu a compensação diferenciada do mérito.


Editado por Adriana   às   7/03/2006 02:02:00 AM      |