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CIDADES RURAIS
por Xico Graziano (*) em O Globo
Mede-se, há tempos, o desenvolvimento das nações através de sua taxa de urbanização. Quanto maior a população das cidades, mais evoluída está a sociedade. Esse critério, demográfico, começa a ser contestado. O espaço rural se projeta.
O processo de desenvolvimento exigia alterar a distribuição espacial da população. Assim ocorreu, com distinta velocidade. Na Europa, o êxodo rural se procedeu suavemente, durante gerações. No Brasil, configurou-se uma marcha acelerada, uma corrida rasa.
As capitais se encheram de gente. Caminhões paus-de-arara despencavam famílias buscando vida nova. Metrópoles ergueram imensas periferias num piscar de olhos. No interior, municípios disputavam entre si a primazia do crescimento. Aumentar a população urbana era sinônimo de progresso. Loteamentos explodiram. Chique era o asfalto.
Entre 1950 e 1970, inverteu-se a pirâmide populacional. Os habitantes rurais, majoritários em 63,8%, decaíram para 44,1% no período. O Brasil estava plenamente urbanizado em 1990, quando a população urbana atingiu 75,5%, elevando-se ainda mais, em 2000, para 81%. Hoje, estima-se que a população rural corresponda a 16% do total.
A forte supremacia do “urbano” sobre o “rural”, entretanto, começa a ser discutida. Acontece que, conforme aceita o IBGE, quem estabelece a diferença entre esses dois contingentes é a Câmara de Vereadores. A prática jurídica vem desde 1938, com Getúlio Vargas. Os edis, simplesmente, legislam e fixam a área urbana dos municípios. O que sobra é rural.
José Eli da Veiga, economista da USP, foi pioneiro no questionamento desse critério jurídico. Em seu livro “Cidades imaginárias”, lançado em 2002, analisa o dinamismo dos municípios brasileiros, mostrando a relevância da economia rural sobre as cidades do interior. Adotando-se a classificação da OCDE, baseada na densidade demográfica regional, José Eli conclui que o Brasil rural envolve 4.485 municípios, com 51,6 milhões de habitantes, ou seja, quase 30% da população. O dobro daquilo apontado pelo IBGE.
Cresce a polêmica sobre o paradigma demográfico tradicional. O BNDES, em convênio com o Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), acaba de finalizar um estudo intitulado “Qualicidades”. Seu propósito era o de analisar a gestão das cidades com ênfase na qualidade de vida de seus habitantes.
O próprio coordenador do trabalho, economista Luiz Paulo Vellozo Lucas, ex-prefeito de Vitória, surpreende-se com a conclusão do trabalho. As áreas urbanas mais dinâmicas, metropolizadas, pioram, enquanto as cidades aparentemente estagnadas, agrícolas, melhoram a qualidade de vida.
Baseado no “Qualicidades”, a equipe do BNDES sugere alterar a antiga classificação polarizada entre urbano e rural, propondo quatro novas categorias de cidades: agro-rurais, agrourbanas, industriais e de serviços. Aqui reside o foco da moderna discussão: as cidades rurais.
O paradoxo levanta uma questão fundamental: quem, e como, decide a separação entre o urbano e o rural? A Câmara de Vereadores, com interesses locais, ou o planejamento regional, contemplando o coletivo?
A interiorização do desenvolvimento, puxada pela expansão do agronegócio, renova valores esquecidos da sociedade brasileira. Jovens preferem curtir Barretos a Guarujá. A sunga empata com a camisa xadrez. Estreitam-se as distâncias culturais.
Ninguém melhor que as chácaras de final de semana e o ecoturismo testemunham esse fenômeno de revalorização do espaço rural. Com a facilidade na comunicação eletrônica, o computador substituirá a estrada. O campo se imiscui na cidade.
“Se as cidades perecerem e os campos forem preservados, as cidades renascerão; mas, se os campos forem destruídos, as cidades desaparecerão para sempre.” Esta célebre frase, atribuída a Abraham Lincoln, permanece viva.
No passado, poderia parecer heresia. Hoje, todavia, a “desurbanização” poderá aquilatar o desenvolvimento da sociedade. Afinal, viver no interior, ar limpo, barulho baixo, bandido distante, comida barata — ninguém duvide — as cidades rurais são melhores.
(*) agrônomo



Editado por Giulio Sanmartini   às   7/04/2006 01:49:00 AM      |